11/02/2014: três meses de implante coclear.
Honestamente, parece que já se passaram três anos. Andei olhando
algumas fotos e vídeos daquela época (quem vê pensa que faz muuuito
tempo, hahaha) e encontrei um vídeo no qual eu conversava com a minha
fono Michele na noite anterior à ativação. Disse pérolas tipo ‘tô morta de medo dessa história de que todas as vozes serão iguais à do Pato Donald’, ‘e se eu tiver cometido o maior erro da vida?’ e afins. Muito engraçado ouvir isso estando hoje do jeito que estou.
A foto acima foi na noite anterior à cirurgia. Com cabelo comprido e sem fazer idéia da reviravolta que o IC causaria no meu dia-a-dia. Lembro que minhas expectativas eram basicamente nulas. Eu estava 100% certa da decisão que havia tomado e pensava que, na pior das hipóteses, ficaria melhor do que estava.
Essa foto foi logo após chegar no quarto, dia 28/09/2013. A clássica fotinho do ‘turbante’, logo antes de começar a ver gnomos por causa do zumbido serra elétrica
que surgiu do além e quase me enlouqueceu até a ativação do implante. A
sujeira nos olhos foi porque a vaselina que me passaram pra limpar os
resquícios de esparadrapo derreteu o rímel à prova d’água. E teve quem
me acusasse de ser o tipo de doida que vai se operar toda maquiada, hahaha!
Audiometria feita na segunda consulta pós-ativação. Se bobear, acho que nunca tive uma dessas nem mesmo quando era criança. A última que fiz o traçado ficava lá embaixo, nos 110dB. Então, acho que dá pra ter uma idéia do meu queixo caído ao me deparar com essa depois de apenas um mês e poucos dias de ouvido biônico. Como a gente diz aqui nos pampas, me caiu os butiá do bolso nesse dia.
Hoje já estou no segundo mapeamento. Programa 1: mapa normal, pra usar no dia-a-dia. Programa 2: pra tentar falar no celular (shame on me, tenho bloqueio com isso). Programa 3: pra ouvir música. Programa 4: meu mapa antigo. O
esquisito é que, ao mudar de um mapa pro outro, a sensação que tenho é a
de que não ouvia nada com o antigo, embora quando estivesse usando ele
sentisse que ouvia até demais. Como explicar isso, alguém sabe? Desde o último encontro com a fono Adriana Laybauer,
o programa com o qual sinto que ouço mais é o de música só que, quando
tenso usá-lo no dia-a-dia, após um tempo me sinto cansada e estressada.
Aí, volto pro P1.
Esses dias consegui tirar minha primeira soneca de IC.
Jamais consegui dormir usando aparelho auditivo e muito menos com
implante coclear. Qualquer mísero barulhinho me acordava no ato, de
susto – coisa normal pra quem sempre dormiu num silêncio maravilhoso
quase total. Agora, sinto que o cérebro já se acostumou com tanto
barulho o dia inteiro e aprendeu a filtrar as coisas chatas. Ainda me surpreendo de ouvir a minha própria respiração (que por sinal, anda um lixo, nariz vai de mal a pior) e quase todos os dias alguém vem me dizer ‘nossa, como a tua voz melhorou’. Coisa que, aliás, minhas duas fonos me disseram após esse segundo mapeamento. Segundo a Adriana, minha voz melhorou 70%.
Segundo a Michele, idem. E a cada pessoa que me diz isso me dou por
conta do quanto era desligada antes, porque não lembro de parar pra
pensar nisso ou analisar minha própria voz.
As pessoas próximas não se acostumam comigo pós-IC. Continuam querendo falar olho no olho.
Se não olho, não me dirigem a palavra. Parece que ainda não acreditam
no fato de que podem falar sem que eu esteja olhando e fazendo leitura
labial. Falando nisso, tenho feito um esforço enorme pra falar com quem
quer que seja olhando sempre nos olhos, não mais na boca. Inclusive quando assisto TV. Funciona que é uma beleza.
O zumbido do lado operado só dá as caras em dias muito estressantes ou cansativos. Em 90% do tempo ele não existe.
Em compensação, do lado não operado ele está pior do que nunca. A mil.
Parece praga! Falando em lado não operado, continuo usando no ouvido
esquerdo o AASI Pure Carat. Não me adaptei ao Motion. Há algum tempo, o som do IC se fundiu ao som do AASI. Antes, se estivesse usando os dois ao mesmo tempo, vinha um brrrr
no final de cada palavra. O estranho é que, logo no início, eu
detestava totalmente usar meu AASI junto com o IC. Deixava de lado mesmo
isso sendo contra a recomendação médica. Até que comecei a sentir falta
e depois me dei por conta que o som é muito mais forte usando ambos e escuto minha voz MUITO melhor com os dois.
Enquanto não inventarem um processador especial para orelhinhas complicadas, sigo dependente da fita de peruca
(já fiz post sobre ela). Com esse calor infernal, a fixação da fita
extra forte virou normal. Que venha logo o frio! A respeito das
baterias, alterno o uso das recarregáveis (que são menores e mais
‘gostosas’ de usar) com as pilhas normais. O controle remoto,
praticamente nunca uso. Deixo na bolsa, mas fica ali intacto, mudo de
programa pelo próprio IC quando sinto vontade. Esses dias tentei ouvir
música com o cabo específico pra isso conectado ao iPad e não gostei.
O som não é legal como era quando eu ouvia música via bluetooth direto
nos dois AASI. Ouvir música, só do jeito ‘normal’: rádio do carro ou som
de casa mesmo. Estar numa mesa de restaurante com várias pessoas ou
receber vários amigos em casa não é mais sessão de tortura chinesa pra
mim. Pelo contrário, me dá prazer.
Meu estado de espírito é de relaxamento. Não sou mais a Paula hiper vigilante. Não tenho mais aquele sentimento ruim de estar perdendo tudo o que acontece ao meu redor. Passei a gostar de estar em locais escuros e barulhentos, coisa que antes sentia calafrios só de pensar na possibilidade. Não tenho mais pânico de ficar sozinha em casa. Não sinto mais receio de estar dirigindo e não ouvir uma ambulância atrás de mim tentanto passar (yep, isso já me aconteceu). E entendo melhor o stress dos ouvintes, porque quem ouve se estressa mil vezes mais.
O sentimento mais difícil de lidar é o de desconforto por decisões
tomadas no passado em função da deficiência auditiva e da idéia de que
meu futuro seria de silêncio total. Às vezes parece que fiquei
30 anos numa cadeia e um belo dia, sem aviso, me libertaram – fiquei
meio tonta sem saber como lidar com essa liberdade. Você coloca a vida
inteira em perspectiva e, no meu caso, chega a conclusões desagradáveis:
fiz a faculdade errada, estou no emprego errado, na cidade errada,
enfim. Só que não consigo me culpar profundamente por isso porque,
quando tomei essas decisões, para todos os efeitos meu futuro era sim,
silencioso. Tentei buscar coisas que não me fizessem sentir tão
deslocada ou incapaz porque, sejamos bem francos, não ouvir ou ir
perdendo a capacidade de ouvir gradualmente é pavoroso. Hoje percebo que eu me sentia meio ser humano, nunca me senti completa, sempre faltou algo. E esse algo só mostrou a sua verdadeira dimensão após a ativação do implante coclear. Nesse dia entendi o que era fazer parte de verdade do mundo. E o mundo é barulhento, rápido, dinâmico e não espera nem tem pena de ninguém. Aos poucos, vou fazendo as pazes comigo mesma. E continuo achando que o maior desafio de quem faz um IC é ser capaz de segurar a barra emocional que vem antes dele, durante e depois.
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