
Por Lucio Carvalho *
A recente divulgação de decisão da 10ª Câmara de Direito Público do
Tribunal de Justiça de São Paulo, autorizando a recusa por parte de um
estabelecimento de ensino privado a matricular aluno com síndrome de
Down reacendeu entre familiares de crianças com deficiência (ver notícia aqui),
mais uma vez, a dúvida sobre o direito das escolas privadas em recusar a
matrícula destes alunos pela alegação de não possuir infraestrutura
adequada e de que o direito constitucional competiria apenas às escolas
públicas.
Afinal, pela legislação vigente, uma escola privada pode mesmo recusar a matrícula de alunos com deficiência?
Simples e objetivamente, a resposta é não. Além disso, a prática
caracteriza infração à lei, punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro)
anos, de acordo com o art. 8º da Lei 7.853/1989.
Outros dispositivos legais também orientam os sistemas de ensino,
incluindo aí as escolas privadas, que nada mais são que concessionárias
de serviços públicos (portanto subordinadas aos mesmos princípios
legais), a não impedir o acesso dos alunos sob alegação de deficiência,
conforme preconiza o art. 24º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada com força de emenda constitucional através do Dec. 6.949/2009.
Do ponto de vista legal, portanto, tal decisão não tem amparo. Diante
disso, familiares ainda podem perguntar-se: mas então por que a decisão
em questão beneficiou o estabelecimento de ensino e não a família?
É possível que por uma questão de instrução processual. Provavelmente
por envolver uma situação sobre dano moral, pois o voto do
desembargador Urbano Ruiz menciona que “a autora não foi exposta a
situação vexatória, não ostentando discriminação ou preconceito”. Ora,
tendo em vista que o art. 24º da Convenção das Nações Unidas sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, já agregada ao texto
constitucional, declara que “os Estados Partes assegurarão que: a. As
pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral
sob alegação de deficiência (…)” e que o sistema educacional geral diz
respeito tanto às escolas públicas quanto aos estabelecimentos privados,
pode-se concluir que a decisão em questão, do ponto de vista
constitucional, é amplamente questionável, sendo que o próprio STF já
reconheceu o efeito de aplicação imediata da Convenção das Nações Unidas
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Se isto não é o suficiente para caracterizar uma situação de
discriminação, então o que mais seria necessário? Que a família fosse
enxotada do ambiente educacional? E então, o que deve fazer uma família
ao deparar-se com situações semelhantes?
Deve buscar imediatamente a garantia de seus direitos e o direito à
educação é um dos direitos fundamentais sociais. De acordo com o Centro de Apoio Operacional Cível do Ministério Público de São Paulo:
“o Ministério Público pode e deve ser o órgão articulador para garantir
ao cidadão, em especial a crianças e adolescentes, o direito à educação
de qualidade, pois é instituição autônoma, independente e defensora da
ordem jurídica, dos interesses sociais, difusos e coletivos, conforme
dispõe a Constituição Federal.” O cidadão, portanto, pode e deve
procurar o apoio do Ministério Público em sua cidade.
Como não fosse suficiente, tramita no Congresso projeto de lei que
criminaliza a prática da psicofobia, que prevê punição para condutas de
preconceito e discriminação contra pessoas com deficiência e transtornos
mentais. Não é indispensável que a matéria seja aprovada para que
condutas discriminatórias sejam punidas, mas demonstra que a preocupação
com situações dessa ordem estão presentes no debate político, haja
vista que crianças em um leque muito grande de diagnósticos vêm passando
pela mesma situação. A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) vem
atuando fortemente em prol do PL 236/2012.
Sobre a decisão da 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de
Justiça de São Paulo, cabe ainda lembrar que se trata de uma ação
individual sem efeito jurisprudencial sobre outras ações. À decisão
também pode ainda caber recurso às instâncias superiores pelas partes,
sem mencionar que, por tratar-se de direito à educação envolvendo
crianças, o Ministério Público igualmente pode recorrer.
Destaque lamentável também para a terminologia utilizada na
divulgação da informação. Além do título que induz a conclusões
precipitadas – “Escola privada pode recusar matrícula de aluno
deficiente” – o conteúdo ainda fala de criança que “sofre” de síndrome
de Down. Na verdade, ninguém “sofre” de síndrome de Down, apenas a tem
ou não tem, nasceu ou não nasceu com a síndrome. O uso equivocado da
terminologia é também uma maneira de desinformar que deve ser evitado em
respeito à dignidade das pessoas e à forma como elas preferem ser
denominadas.
Referências
Brasil. Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989. Disponível em .
Brasil. Dec. 6.949, de 25 de agosto de 2009. Convenção das Nações
Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Disponível em
.
Ministério Público do Estado de São Paulo. Guia prático: o direito de
todos à educação. São Paulo: APMP, 2013. 177 p. Disponível em
.
http://www.inclusive.org.br/?p=26159
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