Histórias impressas e vídeos em Libras instigam memória e vocabulário.
"Realfabetização" dos pais é importante para a criança se sentir acolhida.
Fernanda Brescia
Do G1 MG
Com quatro anos, Fabrizzio Castro já sabe ler, escrever e chama a atenção como contador de histórias. A mãe dele, Fernanda Soares, credita o desenvolvimento ao intenso contato da criança com literatura. O menino, que é surdo desde o nascimento, é apaixonado por livros e DVDs infantis e chega a pedir os artigos como presente em datas comemorativas ao invés de brinquedos.
12/10/2011 14h38 - Atualizado em 12/10/2011 16h37
Literatura em Libras estimula inclusão e desenvolvimento de crianças surdas
Histórias impressas e vídeos em Libras instigam memória e vocabulário.
"Realfabetização" dos pais é importante para a criança se sentir acolhida.
Fernanda Brescia
Do G1 MG
Com quatro anos, Fabrizzio Castro já sabe ler, escrever e chama a
atenção como contador de histórias. A mãe dele, Fernanda Soares, credita
o desenvolvimento ao intenso contato da criança com literatura. O
menino, que é surdo desde o nascimento, é apaixonado por livros e DVDs
infantis e chega a pedir os artigos como presente em datas comemorativas
ao invés de brinquedos.
"Ele prefere livros a carrinhos", diz Cláudia Soares, avó de Fabrízzio
Castro (Foto: Fernanda Brescia/G1)Histórias em formato impresso ou
digital estimulam o vocabulário e o ganho de habilidades para crianças
surdas. As narrativas traduzidas ou adaptadas para a Linguagem
Brasileira de Sinais (Libras) são ainda mais indicadas, segundo
especialistas. Para a professora e coordenadora do Núcleo de Libras da
Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
Elideia Bernadino, o contato com a Libras deve ser incentivado desde
cedo. “O quanto antes [a criança] tiver contato com a Libras, melhor pra
ela, porque vai ajudar no desenvolvimento cognitivo e ela vai adquirir
uma língua cedo. O aprendizado da Libras não vai interferir no
aprendizado do português”, afirma.
Ainda segundo a pesquisadora, as expressões corporais e faciais do
intérprete que conta uma história transmitem sentimentos que ajudam na
integração e no desenvolvimento das crianças da comunidade surda.
“Vários surdos falam comigo: ‘português não tem emoção como a Libras’. O
texto escrito é uma coisa fria para uma pessoa que não domina a língua.
Na Libras, a criança sente a emoção narrada”, disse.
Fabrizzio, que é filho de surdos, teve contato com a Libras desde o
nascimento. “Desde os primeiros meses, ele já é sinalizado. Ele falava
‘mamãe’ e ‘papai’ usando sinais. Hoje, ele está começando a aprender o
português”, relatou a avó do menino, Cláudia Soares
livrarias e das videolocadoras.
Cinderela Surda perde a luvinha, ao invés do sapato de cristal (Foto:
Editora da Ulbra)Segundo o editor-assistente da Editora da Universidade
Luterana do Brasil (Ulbra), Roger Kessler, a iniciativa é inclusiva e
tende a gerar aproximação entre crianças surdas e ouvintes. “A tendência
tem sido esta, de lançar livros com personagens consagrados do
imaginário infantil”, diz. Para o diretor da editora, Astomiro Romais,
também é importante que a história tenha elementos do universo surdo. Um
dos livros lançados em 2003 pela empresa, Cinderela Surda, reconta a
fábula da moça que encontra o príncipe depois da meia noite e vive feliz
para sempre. Neste caso, a princesa perde a luva e não o sapatinho de
cristal. “A intenção é valorizar a questão da própria mão como elemento
da comunicação, elemento fundamental da linguagem visual”, reflete.
A avó de Fabrizzio, Cláudia Soares, diz que o menino tem uma coleção de
artigos de literatura em casa. “Fabrizzio tem muitos livros, DVDS
imensos, tem histórias da Turma da Mônica em Libras, do Pinóquio. Hoje, é
muito vasto o material em Libras. Há livrinhos, quebra-cabeça, dominó,
jogo da memória. Então, tem muita coisa pra construir este vocabulário,
este mundo da Libras”, conta. Ela diz que um dos livros do menino
reconta a história dos Três Porquinhos. Na versão, quando o Lobo Mau
toca Aos quatro anos, Fabrízzio, que é filho de surdos, se comunica em
Libras e está aprendendo Português (Foto: Fernanda Brescia/G1)Mãe e avó
de surdos, Cláudia acompanhou a evolução da literatura deste segmento
nas duas últimas décadas. “Antes não se usava Libras, era tudo
oralizado”, disse. Cláudia conta que a filha dela, Fernanda Soares,
sofreu muito quando era criança. “Eu lembro que eu tinha um livro da
Branca de Neve. Eu mostrava, contava do meu jeito em português e ela não
entendia nada. Ela era oralizada, mas não sabia nem Libras, nem
português. Ela chorava porque não compreendia e eu queria que a menina
falasse, né”, disse.
Segundo Cláudia, antigamente, a surdez era vista como doença e os surdos
não eram acolhidos como hoje. Ela relatou que tinha 18 anos quando
descobriu que a filha Fernanda, com cinco meses, era surda, mas não
aceitava. “Eu teimava pra ela falar ‘copo’, mas ela não entendia. Era
difícil construir uma história, uma frase”, disse. “Quando ela dominou a
Libras, aos 16 anos, passou a dar significado para as coisas”,
completou. “Às vezes ela me perguntava ‘o que é isto?’ e eu não
conseguia passar pra ela. Com o Fabrizzio, o retorno é imediato. Tenho
várias formas para mostrar para ele. A comunicação é 100%. Com a
Fernanda, não chegava aos 50%”, conta.
Vários surdos falam comigo: ‘português não tem emoção como a Libras’. O
texto escrito é uma coisa fria para uma pessoa que não domina a língua.
Na Libras, a criança sente a emoção narrada"Elideia Bernadino,
coordenadora do
Núcelo de Libras da UFMGPara Cláudia, o reconhecimento da Libras como
língua foi importante tanto para o avanço da literatura voltada para
surdos, quanto para o desenvolvimento de outras áreas do conhecimento e
pesquisas. Segundo informações da Federação Nacional de Educação e
Integração de Surdos (Feneis), atualmente, cerca de 3% da população
brasileira apresenta algum tipo de deficiência auditiva. Em 2002, o
governo federal reconheceu a Libras como a língua oficial a ser
utilizada pelos surdos, por meio da Lei 10.436.
Para a pesquisadora da UFMG Elidea Bernardino, é essencial que a família
da criança surda aprenda Libras para que ela se sinta incluída. “A
maioria dos surdos têm pais ouvintes, 90%, 95%. Um número muito pequeno
de crianças surdas tem contato com surdos no início. Assim que uma
criança surda nasce, os familiares ouvintes têm que ser
‘realfabetizados’”, diz.
Neste sentido, também é importante que os pais e familiares criem
estratégias para incentivar as crianças a ler e se integrar. “Conheço um
pai que, para criar o gosto pela leitura, começava a ler pra ele [para o
filho] e, quando a história chegava ao clímax, ele fechava o livro,
entregava para o menino e falava: ‘agora, você vai ler’. Aí, ele [a
criança] ia começando a ler a história toda, entendendo melhor o
português, ia curioso”, contou.
Segundo Elidea, narrativas elaboradas para as crianças surdas também
devem ter elementos do português para que os pais compreendam e
transmitam a mensagem aos filhos. “A história geralmente é sinalizada e
tem legendas para os familiares entenderem o que é falado. O objetivo é
chegar ao surdo pela sinalização e não pela legenda. Por isto, até a
posição da leitura é diferente, pois a criança tem que ver o rosto de
quem conta”, reflete a pesquisadora.
Para ela, histórias também são importantes para o desenvolvimento de
habilidades como a memória e a noção de princípio, meio e fim, essencial
para a compreensão de passado, presente e futuro. Cláudia e Fernanda,
avó e mãe de Fabrízzio, investem em jogos e brincadeiras. ”A memória do
surdo é visual. Um quebra-cabeça com 80 peças ele [Fabrizzio] monta em
segundos. No jogo da memória, então, ele ganha de qualquer um”, diz
Cláudia.
a campainha, o equipamento ativa as luzes da casa para que os porquinhos
surdos abram a porta, ao invés de emitir um som. Segundo ela, o garoto
também tem livros não traduzidos. “Quando eu compro um livro de história
comum, ele vê a gravura e quer saber se a casa é grande, pequena, qual é
a cor. Ele fica olhando para a gravura e pra mim para que eu explique
cada página em Libras. É tudo gestovisual”, diz
"No jogo da memória, então, ele ganha de qualquer um", diz Cláudia
Soares sobre o neto Fabrizzio (Foto: Fernanda Brescia/G1)Mercado
No Brasil, o mercado literário tem crescido para atender a demanda da
comunidade surda, especialmente das crianças, mas as iniciativas ainda
não atendem a todos, segundo especialistas. “Me parece que ações
governamentais são muito tímidas em relação a isto. Vejo que há muito
barulho e pouca luz”, disse Astomiro Romais, diretor da Editora da
Ulbra.
Geralmente, as narrativas publicadas por editoras são adequadas para o
universo da comunidade surda. Temas como a interação entre surdos e
ouvintes, a maneira como o surdo enxerga o mundo e a relação dos
parentes ouvintes com o único surdo da família são recorrentes na
literatura do gênero. A adaptação de livros clássicos também aparece com
frequência nas prateleiras das livrarias e das videolocadoras.
Para
Cláudia, o fato de a criança conhecer o personagem, ajuda no aumento do
vocabulário e na efetividade da comunicação. “Ele conhece os
personagens, sabe que o Cascão não gosta de tomar banho. Com muita
certeza é aprendizado porque dali ele imagina outras histórias”, diz.
(Veja, ao lado, um trecho de uma história da Turma da Mõnica em Libras).
Ela também critica a resistência das editoras a publicar narrativas
inéditas. “Acho que falta capacitação em Libras”, afirma.
A Editora Arara Azul também adapta clássicos da literatura universal
para a Libras e o carro-chefe do gênero na empresa são os vídeos com
intérpretes que acompanham o material impresso. “Nosso foco é trazer
para a língua de sinais um pouco da tradição literária da humanidade. As
pessoas surdas são em sua essência biculturais, já que vivem no mundo
dos ouvintes e da comunidade surda, quando possível. Assim, como
qualquer criança, é importante ter contato com o mundo da imaginação”,
diz a gerente editorial e de projetos da editora, Clelia Regina Ramos.
Em 2003, a editora lançou o primeiro livro da coleção digital bilíngue
português/Libras, "Alice no País das Maravilhas", com apoio da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Acesse o site
da Editora Arara Azul para ter acesso à parte da história.
FONTE:http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2011/10/literatura-em-libras-estimula-inclusao-e-desenvolvimento-de-criancas-surdas.html?mid=4&code=1771938622
"Realfabetização" dos pais é importante para a criança se sentir acolhida.
Fernanda Brescia
Do G1 MG
Com quatro anos, Fabrizzio Castro já sabe ler, escrever e chama a atenção como contador de histórias. A mãe dele, Fernanda Soares, credita o desenvolvimento ao intenso contato da criança com literatura. O menino, que é surdo desde o nascimento, é apaixonado por livros e DVDs infantis e chega a pedir os artigos como presente em datas comemorativas ao invés de brinquedos.





Narrativa do clássico Alice no País das Maravilhas tem elementos para atender às crianças surdas e aos pais ouvintes (Foto: Editora Arara Azul)Tanto na Arara Azul quanto na Editora da Ulbra, o trabalho de “tradução” e adaptação das narrativas é feito com a participação de surdos.
O Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines) produz vídeos com histórias narradas por pessoas caracterizadas como os personagens. Assista a um trecho da história da Chapeuzinho Vermelho.
Família e escola
Para que as crianças surdas não sofram nenhuma defasagem, é essencial o incentivo dos familiares, segundo especialistas. “Eles têm que quebrar as barreiras da comunicação. A maioria dos pais não aprende Libras e delega para a escola a função de educação do surdo. Poucos se dedicam a buscar uma comunicação efetiva com os filhos”, diz Elidea. A pesquisadora conta que já teve que interferir no diálogo entre uma adolescente surda e a mãe dela, que não conhecia a linguagem de sinais e pediu ajuda para convencer a menina de que ela não deveria sair sozinha à noite. “Ele [o surdo] acaba ficando isolado. Normalmente, uma pessoa aprende e passa a ser o interlocutor na família. Os pais falam para o irmão traduzir”, completa.
A pedagoga e professora de nível médio Luciana Freitas coordena um curso de Libras para familiares de surdos em Belo Horizonte e diz que a maioria dos pais têm resistência para aprender a nova língua. “Eles querem que o filho fale, querem que eles ouçam. Ainda mais agora com o implante coclear, as próteses”, diz. Ela aponta a importância do esforço dos pais para que as crianças tenham a Libras como língua materna. “É importante que a criança tenha uma referência. Com seis meses, ela já vai balbuciar alguns sinais”, diz.
Eles têm que quebrar as barreiras da comunicação. A maioria dos pais não aprende Libras e delega para a escola a função de educação do surdo"Elidea Bernardino, coordenadora
do Núcleo de Libras da UFMGDe acordo com Luciana, todos os alunos de uma instituição em que ela lecionou, tinham mais contato com Libras na escola do que em casa. Ela diz que a instituição recebia livros do Ministério da Educação (Mec). “Geralmente, a escola dá um kit para o aluno com caderno, lápis e um kit literário. Alguns livrinhos eles [os alunos] podem levar. Mas, em casa, geralmente é usada a língua oral mesmo”, falou. Ainda segundo a pedagoga, alguns dos materiais didáticos também eram integrados à biblioteca local. “Na medida do possível a gente está assistido, mas poderia ter muito mais [materiais]. Acho que é uma área nova, que está caminhando”, disse.
De acordo com o Ministério da Educação (MEC), estudantes surdos matriculados em escolas públicas recebem materiais didáticos impressos em Língua Portuguesa acompanhados por um CD em Libras. Ainda de acordo com o ministério, em 2006, 33 mil exemplares do livro didático de alfabetização acessível em Libras foram disponibilizados para as instituições do país. Em 2007 e 2008, foram distribuídos 463.710 exemplares da Coleção Pitanguá acessível em Libras (Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Geografia e História) para alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Em 2011, 254.712 exemplares da Coleção Porta Aberta – FTD, acessível em Libras, foram enviados às escolas, de acordo com o ministério. Exemplares do Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue: Libras, Português e Inglês e materiais para a capacitação de professores e educadores também são disponibilizados, de acordo com o Mec.
Para Cláudia Soares, avó e mãe de surdos, ainda faltam investimentos por parte dos governos e do mercado literário para que haja aumento da divulgação e disponibilização de materiais em Libras e audiovisuais. “É uma luta, é muito esforço de estar querendo o melhor mesmo. Nossas autoridades têm que fazer mais pelos surdos. Não falo que são especiais; eles são capazes, competentes”, diz ela. “A criança surda precisa ter a língua materna dela, a Libras, numa escola regular. A gente defende a escola bilíngue, mas a gente não tem”, afirma.
Segundo dados do MEC, no ano passado, 70.823 estudantes com surdez e com deficiência auditiva foram matriculados na Educação Básica, sendo 33.372 estudantes com surdez severa e profunda e 37.451 com deficiência auditiva. Deste total, 22.249 estudantes com surdez e 30.251 com deficiência auditiva estão matriculados nas escolas comuns de ensino regular, representando um total de 52.500, ou 74%.
Nas escolas regulares, os surdos têm aulas com os alunos ouvintes e uma intérprete. Em Minas Gerais, estes estudantes contam com salas de estudos e acompanhamento de profissionais, segundo a Secretaria de Estado e Educação.
A gerente editorial e de projetos da Editora Arara Azul, Clelia Regina Ramos, ressalta que o surdo tem direito a ter todos os materiais que as outras pessoas têm traduzidos para a Libras, mas o material ainda é caro. “É trabalho com multimídia, os profissionais são caros, tem filmagem”. Ela aponta a necessidade de mais investimentos e parcerias para que o setor cresça.
(O trecho do vídeo da Turma da Mônica foi cedido pela Maurício de Souza Produções).
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