RYBENINHA

RYBENINHA
SINAL: BEM -VINDOS

DÊ-ME TUA MÃO QUE TE DIREI QUEM ÉS



“Em minha silenciosa escuridão,
Mais claro que o ofuscante sol,
Está tudo que desejarias ocultar de mim.
Mais que palavras,
Tuas mãos me contam tudo que recusavas dizer.
Frementes de ansiedade ou trêmulas de fúria,
Verdadeira amizade ou mentira,
Tudo se revela ao toque de uma mão:
Quem é estranho,
Quem é amigo...
Tudo vejo em minha silenciosa escuridão.
Dê-me tua mão que te direi quem és."


Natacha (vide documentário Borboletas de Zagorski)


SINAL DE "Libras"

SINAL DE "Libras"
"VOCÊ PRECISA SER PARTICIPANTE DESTE MUNDO ONDE MÃOS FALAM E OLHOS ESCUTAM, ONDE O CORPO DÁ A NOTA E O RÍTMO. É UM MUNDO ESPECIAL PARA PESSOAS ESPECIAIS..."

LIBRAS

LIBRAS

LIBRAS

LIBRAS
"Se o lugar não está pronto para receber todas as pessoas, então o lugar é deficiente" - Thaís Frota

LIBRAS

LIBRAS
Aprender Libras é respirar a vida por outros ângulos, na voz do silêncio, no turbilhão das águas, no brilho do olhar. Aprender Libras é aprender a falar de longe ou tão de perto que apenas o toque resolve todas as aflições do viver, diante de todos os desafios audíveis. Nem tão poético, nem tão fulgaz.... apenas um Ser livre de preconceitos e voluntário da harmonia do bem viver.” Luiz Albérico B. Falcão

QUANDO EU ACEITO A LÍNGUA DE SINAIS

QUANDO EU ACEITO A LÍNGUA DE SINAIS
“ A língua de sinais anula a deficiência e permite que os sujeitos surdos constituam, então, uma comunidade linguística minoritária diferente e não um desvio da normalidade”. Skliar

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Surdo oralizado e Procurador

Advogado
‘Eu tinha 28 anos em 1999, quando, após uma inflamação boba no tímpano, decorrente de um mergulho, uma médica pediu uma audiometria “só para ter certeza” de que tudo estava bem.  Apareceu uma perda moderada no ouvido direito. Aí me dei conta de que ficava achando que o celular tinha problema, a toda hora aumentando ou diminuindo o volume, sem perceber que era porque estava em um ou outro ouvido.  Que pedia para saírem da frente da televisão “porque eu não estava ouvindo”, o que era uma piada pronta.  Sim, a surdez estava ali, e não era por conta da inflamação no tímpano, já estava lá antes.
O momento da vida era o “tudo ao mesmo tempo agora”: casado há um ano e meio, aprovado há dois num concurso para Procurador, no primeiro ano do Mestrado, minha primeira experiência como Professor. Claro, fiz que não era comigo e passei a virar a cabeça de lado quando queria ouvir melhor. Sempre gostei de falar em público e sempre me achei bom nisso. Mas os problemas foram piorando. Ao chegar para uma audiência, troquei de lugar com a parte, para poder ouvir melhor o que o Juiz diria.  A Juíza entrou e, com impaciência, me mandou destrocar, afinal “aquele não era o lugar certo” (embora não faça a menor diferença para o andamento dos trabalhos). Tive vergonha de dizer o motivo, fui para o lugar “certo” e ainda tive que ver os risinhos dos funcionários, que achavam que eu simplesmente não sabia onde me sentar na audiência. Num seminário, em que eu era um dos dois palestrantes e ainda havia um mediador, troquei a plaquinha de lugar, para ficar à direita (e poder ouvir o mediador falar ao meu ouvido esquerdo). Mas a zelosa funcionária foi lá, desfez a troca e ainda ficou zangada comigo (afinal – falo sobre isso em outro texto para o blog – para ela e para todo mundo não existe meio-surdo, e se eu era surdo não deveria ter a petulância de estar ali palestrando).
Os otorrinos são um capítulo à parte. Não vou citar nomes, para não cometer injustiças, já que a minha experiência individual pode não refletir o todo do profissional. O primeiro, após confirmar a audiometria, disse o seguinte: pela medicina do trabalho, só é considerado inválido quem tem surdez bilateral, se você só tem perda em um ouvido, e ainda mais parcial, não pode se aposentar.  Então tá: eu ali, aos 30 anos, iniciando duas carreiras que dependem da audição e da fala, cheio de sonhos e de planos, esperando meu primeiro filho e ele achando que eu queria me aposentar?  Na saída, vi o diploma de “médico do trabalho” orgulhosamente pendurado na parede e nunca mais voltei. Fui ao segundo. Esse disse que não faria a cirurgia porque, pela literatura médica, 1 em cada 50 estapedectomias (2%) resulta em perda total da audição, sem possibilidade sequer de usar o AASI depois.   O terceiro, foi exatamente o oposto.  Paguei 250 reais (em 2001) pela consulta para, em menos de 5 minutos de conversa, sem olhar para meu rosto e sem levantar da cadeira, me entregar um papel com os preços dele, do assistente, do anestesista e dizendo que exames eu teria que fazer para a cirurgia. Quando tive a audácia de perguntar sobre a tal estatística dos 2%, ele disse: “é verdade, mas eu já fiz mais de 500 cirurgias desse tipo, e todas que deram errado eu operei de novo e o paciente recuperou a audição”. Também nunca mais voltei.
Minha teimosia continuava. Concluí o Mestrado e continuei dando aula e fazendo sustentação oral (é o nome que se dá às argumentações orais que os advogados fazem nos tribunais).  Hoje, olhando para trás, tenho certeza de que no dia da minha defesa de dissertação, fiz um bocado de leitura labial inconsciente, pois o ouvido direito já tinha uma perda séria e o esquerdo começava a cair, embora devagar.  No velho dilema entre operar ou não, optei pelo AASI e detestei. Um intra-canal, que vivia entupindo de cera, dava microfonia e me deixava com dores. Acabou abandonado.
Foi aí que o destino deu uma daquelas voltas inexplicáveis. Estávamos esperando nosso segundo filho e minha mulher teve uma inflamação séria no tímpano.  O obstretra encaminhou para um otorrino e, por esse caminho torto, acabei achando o médico em que confio 100%.   Calmo, ponderado, conversou longamente comigo sobre como era a minha rotina e o quanto ouvir bem era ou não importante para mim.  Também não me deixou decidir logo pela cirurgia.  Quis que eu pensasse durante alguns meses, afinal o risco existe, e eu estava com dois filhos pequenos, em ascensão profissional e ainda relativamente jovem. Só então que – até quando esta expressão vai resistir – “a ficha caiu”. Após todos estes anos, eu não havia pronunciado a palavra “surdez” uma única vez.  Afinal, mesmo sem perceber, eu ainda me via “do outro lado”, achando que surdos eram criaturas de outro mundo, que só usavam linguagem de sinais e se sentiam confortáveis com o buzinaço de um engarrafamento. Sim, eu ainda tinha muito o que aprender sobre qual era “o meu mundo” e como ele era.
Fiz a cirurgia em 2003 e foi um sucesso. Fiz uma doação do meu antigo AASI e segui a vida.  Quando fiz a audiometria de controle, seis meses depois, mais uma surpresa: o direito estava bom, mas o esquerdo havia caído tanto que, no global, eu estava ouvindo pior.  Não desanimei e fui para a segunda cirurgia. Bingo! Audição quase normal nos dois ouvidos. E aí, pé no acelerador. Voltei a estudar inglês, passei um mês numa Universidade americana, me candidatei a dois doutorados aqui no Brasil, e comecei a cursar um deles em 2007. Com a vida acelerada, comecei a relaxar nas audiometrias, cheguei a deixar passar mais de um ano sem fazer. Mas os sinais voltaram. E o auto-engano também.  Que celular ruim, não consigo uma ligação decente. Como esse cara fala mal, não tira a mão da frente da boca! Como esse pessoal do trabalho ri de piada sem graça!
Comecei a ficar atormentado com a acústica dos Tribunais. Será que ninguém pensa que um surdo também pode advogar?  Não existia nada pior do que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Não sei se ainda é assim, mas as salas de julgamento tinham chão de taco e divisórias de compensado.  Quando alguém passava ao lado da sala – pelo lado de fora – com um sapato de salto barulhento, era o suficiente para eu não entender nada.  E, embora houvesse microfones em algumas salas, os Senhores Desembargadores simplesmente “não gostavam” de usá-los, além de falar olhando para baixo e com péssima dicção.
Mas retomei as audiometrias e elas não mentiam.  A otosclerose estava de volta, agora coclear. Progressiva e incurável. Minha companheira para o resto da vida, junto com o zumbido, que nunca me abandonou. Não podia mais me apoiar na ideia de que um dia iria fazer  uma cirurgia e acordar desse pesadelo.  Foi a segunda “queda de ficha”. A audição nunca mais iria melhorar, só piorar. E aí eu descobri que, para ser surdo, não importa o tamanho da sua perda auditiva, importa o quanto ela  interfere nos seus sonhos e nas coisas que você faz na vida. Imaginei um professor de música com uma perda moderada.  Um cardiologista que não consegue mais usar o estetoscópio. A mãe que não consegue ouvir, ao telefone, os filhos adultos que moram em outra cidade.  Sim, quanta gente sofre em silêncio e, como eu já pensei um dia, acha que não tem nem o direito de se considerar surdo.
Esta descoberta foi libertadora. Acho que tinha uma certa “comiseração às avessas”: nunca gostei de falar sobre o assunto, nem de me ver como surdo, porque sei que muitos têm perdas bem mais sérias que a minha.  Como eu poderia dizer que sou surdo se ainda consigo falar ao telefone (muito mal, mas consigo), se jogo futebol e muitos dos meus companheiros de jogo nem sabem da deficiência (embora reclamem da minha “desatenção” na hora em que pedem para eu passar a bola)?.   Além disso, nunca quis ouvir algo do tipo: “nossa, ele conseguiu isso tudo apesar da deficiência”.
Redescobri então o AASI, em 2011, desta vez bilateral, muito mais moderno (o que dez anos de progresso não fazem!), levíssimo e fora do canal.  Agora já não tinha mistério. Sempre gostei de usar o cabelo bem curto, e lentes de contato em lugar dos óculos.  Continuei fazendo assim, pois os aparelhos ficam bem visíveis e é bom que fiquem mesmo. Passei também a ver a vida como uma espécie de corrida contra o tempo.  Já que a doença é progressiva e um dia me deixará completamente surdo mesmo, vou logo tentar realizar todos os sonhos.  Me candidatei a um pós-doutorado no exterior e, por conta disso, fui aprender francês.
A vida, realmente, nos prega peças.  E não é por acaso, é porque precisamos aprender algo.  No meu caso, é porque nestes quinze anos nunca havia compartilhado minhas angústias com outras pessoas que tivessem o mesmo problema.  Não tinha amigos surdos, nunca conversei com nenhum surdo, nunca tinha contado minha história.  Acho que é por isso que este texto está tão longo.  Quinze anos esperando para contar para alguém.
Bem, mas porque eu disse que a vida nos prega peças? Continuando a história, meu projeto do pós foi aprovado e, sem saberem da minha surdez, me mandaram um convite para, logo no início do período, fazer uma palestra (em inglês) para estudantes de pós-graduação que estariam aqui para um módulo de três semanas.  Passei noites sem dormir, principalmente depois que cheguei aqui e vi que os estudantes tinham origens e sotaques tão diferentes, que eu não conseguia entender absolutamente nada do que metade deles falava.  Meu grande medo era não conseguir entender as perguntas. Quando terminei de falar, pedi aos alunos que perguntassem bem devagar e olhando para mim, “porque tenho dificuldade de entender alguns sotaques”, e me desculpei por isso. Tudo deu certo, consegui entender quase tudo e responder a tudo.  Fui dormir alividado e muito, mas muito feliz.    No dia seguinte, porém, aconteceu algo extremamente desagradável, que eu prefiro não contar, relacionado à surdez. Um dia no céu, outro no inferno!
Cheguei à Universidade muito triste e procurei no google “otosclerose coclear”. Talvez eu estivesse, numa recaída, de volta à procura por uma solução mágica, uma cirurgia, uma pílula milagrosa,  negando a realidade.  A solução mágica não veio, mas veio a prova de que, como eu disse lá em cima, a vida prega peças e o destino dá voltas inacreditáveis que nos levam ao lugar certo. Não descobri a solução mágica – que eu sei que não existe – mas cheguei a este blog, que trouxe a peça que faltava no meu quebra-cabeça: descobrir outras pessoas com problemas parecidos (quase sempre mais graves), saber de suas angústias, rir e chorar com as histórias. Detesto a ideia de falar da minha vida na internet (por isso, até hoje, não tenho conta em nenhuma rede social), por isso me surpreendi com minha vontade de compartilhar coisas tão íntimas com tantas pessoas que eu nem conheço. Ou melhor, conheço bastante, pois ao menos sei que eles têm a exata noção do que é “sempre ouvir, às vezes endender e nunca ter a certeza de realmente ter entendido”. Obrigado, Paula.’

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