As dificuldades que a surdez
traz para as nossas vidas são inúmeras, e vão desde não entender o que
as pessoas falam até mesmo a não conseguir arranjar um emprego.
Dia desses conversei ao vivo e a cores com três candidatos a implante coclear
na mesma tarde. Adoro esses momentos porque compartilhar vivências é
muito enriquecedor e nos faz sempre aprender coisas novas. Os três
fizeram exatamente os mesmos comentários sobre as dificuldades da deficiência auditiva e eu me vi de volta aos anos em que vivi com surdez profunda usando aparelhos auditivos.
Relembrei inúmeras situações que me causavam dor, angústia e tristeza.
A surdez nos força a ver o mundo de maneiras que aqueles que ouvem não
conseguem, já que não enfrentam estas dificuldades. Algumas coisas que
parecem ‘bobas’ aos olhos dos ouvintes são obstáculos dificílimos para
nós.
Falta de compreensão da família
Nada, absolutamente nada no mundo é capaz de nos magoar mais do que ouvir, das pessoas que nós amamos, o infame “Deixa pra lá, não é nada!”
quando pedimos para que repitam algo que não ouvimos ou não entendemos.
Hoje eu entendo como é difícil para um ouvinte tentar compreender o
que é não ouvir ou ouvir mal, mas isso não justifica falta de
compreensão, paciência e ajuda dentro da própria família.
Há
também as dificuldades relativas ao uso de aparelho auditivo e implante
coclear: familiares que não entendem que o processo de adaptação é
longo, cansativo e estressante. Ou que acham que usar AASI e IC é
sinônimo de ouvido novo, de perfeição. Não é nada disso. Eles ajudam (às
vezes, MUITO) mas não nos transformam em ouvintes perfeitos – aliás,
isso existe?
Casa não adaptada
Com
a tecnologia disponível hoje, quem não escuta pode adquirir despertador
vibratório para ser mais independente e não depender de ninguém para
acordar, por exemplo. A nossa casa precisa estar adaptada às nossas
necessidades: TV’s com legendas, campainha com alarme de luz, iluminação
adequada. Pequenas coisas que fazem toda a diferença. Alguns ouvintes
que convivem com surdos fazem comentários como “É horrível assistir TV com essas legendas” e esquecem que horrível mesmo é não ouvir a TV. Mais empatia, por favor!
Consultórios, laboratórios e hospitais não acessíveis
Passei
algumas horas num hospital semana passada e quase enlouqueci com os
chamados pelo alto-falante a cada 15 segundos, com campainha e barulhos
incessantes. O ambiente seria muito melhor se houvesse um telão com
avisos e chamados! Nós não conseguiremos sentar na sala de espera e
relaxar aguardando que gritem ou chamem pelo nosso nome. Isso é fácil de
resolver: chamar pela TV ou por uma tela.
Aeroportos não acessíveis
Qualquer
lugar que use alto-falantes para fazer anúncios e chamar as pessoas é
um perrengue gigantesco para nós. Ou nós não ouvimos, ou ouvimos e não
entendemos. Nunca vou esquecer a primeira vez que ouvi e entendi um
anúncio de alto-falante em aeroporto: foi como se tivesse tirado 200kg
das costas. Perdi as contas de quantas vezes corri pra lá e pra cá entre
portões porque os aeroportos não davam as informações corretas nas
telas de TV. Hoje em dia isso melhorou bastante em alguns aeroportos!
Pessoas que não articulam bem os lábios
A maioria de nós é dependente de leitura labial.
Quando alguém não articula bem os lábios para falar conosco, isso é
desesperador. O maior desespero eu sentia quando a pessoa articulava
como tartaruga. Basta falar do jeito como você fala, mas prestando
atenção para articular as palavras como se estivesse falando em público.
Você consegue, vai!
Restaurantes e baladas escuras
Ler
lábios no escuro: impossível. Se você quer a nossa presença ou se quer a
nossa felicidade, por favor não nos convide para ir a locais escuros
(que em geral também são barulhentos) porque isso configura tortura para
quem não ouve ou ouve mal.
Berros em vez de cutucadas
Se
você quer a atenção de uma pessoa com deficiência auditiva, apareça no
seu campo de visão. Berrar, gritar e mandar alguém cutucar enquanto você
fica olhando com cara de tédio é muito, mas muito deselegante.
Ser infantilizado ou se tornar invisível
A
surdez nos infantiliza em muitos momentos. Não somos pessoas de
confiança para várias tarefas e atividades porque não escutamos. Uma
coisa que me irritava muito era quando eu estava entre pessoas que
falavam de mim na minha presença como se eu não estivesse ali – como se
fosse uma planta, como se fosse invisível. Se você estiver na presença
de uma pessoa surda, não faça isso.
Cinemas só com filmes dublados
Isso
me deixava louca! Só pude começar a frequentar cinema com filme dublado
em 2014, após o primeiro implante coclear. Antes disso, jamais! Imagine
você, pessoa que ouve, tentar assistir a um filme sem som, ou a um
filme com áudio em russo sem legendas. Será que vai dar conta? Claro que
não! Nós também não fazemos milagres e nós também queremos nos divertir
e frequentar os mesmos lugares que vocês frequentam!
Salas de espera com TV ligada sem som e sem legendas
É
algo que foge à minha compreensão. Nem os ouvintes conseguem entender
nada, que dirá quem não escuta. Confesso que TV ligada sem som e sem
legendas é algo que dá nó na minha cabeça. E é assim que funciona na
maioria das salas de espera, restaurantes e vários outros locais. Alguém
avisa?
Falta de noção no trabalho
Quem nunca ouviu coisas como “tem que atender o telefone de qualquer jeito“, “se não consegue, pede demissão“, “ah que saco ter que ficar repetindo as coisas“, “fulana é surda” (junto com olhar de pena ou risadinha) no ambiente de trabalho é muito sortudo.
A
maioria das empresas não se empenha em incluir de verdade os
funcionários PCD – e quando você é um surdo usuário de AASI ou IC, eles
parecem ainda mais confusos sobre como lidar com isso. Acho que a
solução é falar abertamente sobre suas necessidades e dificuldades
sempre, com seu gestor/chefe e também o RH. Não ature assédio moral de
cabeça baixa, por favor.
A maldição do “0800 especial”
Não
consigo compreender como algo assim permanece na lei como alternativa
de acessibilidade para surdos – uma geringonça dos anos 70 que é tudo,
menos acessível. Bancos, operadoras de cartão e várias outras
instituições, como concessionárias de rodovias, nos direcionam ao 0800
especial para deficientes auditivos e da fala.
Chat,
SMS, email ou cadastrar alguém para que resolva alguma coisa por nós,
em geral, não permitem. Perda de tempo, de dinheiro e de neurônio.
Isolamento e depressão
Quando
vivemos constantemente com as situações acima, acabamos nos isolando e
vivendo numa concha, porque é muito cansativo viver em busca de entender
o que os outros dizem. É barra pesada mesmo! Não é à toa que várias
pesquisas já mostraram que pessoas com deficiência auditiva têm o dobro
de chance de desenvolver depressão e ansiedade.
https://cronicasdasurdez.com/surdez-dificuldades/
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