Mesmo
que a internet tenha milhares de filmes, ir ao cinema é uma atividade
muito divertida – seja em casal, com amigos ou crianças. Essa atividade é
um momento de conexão e entretenimento que nós, pessoas com deficiência auditiva, também queremos ter! E então surgem dúvidas sobre as legendas (ou a falta delas!) para que possamos aproveitar os filmes no cinema em igualdade de condições com os ouvintes.
O que diz a legislação e normas sobre o assunto? E o que mudou recentemente?
Temos a LBI (Lei Brasileira de Inclusão), que é a Lei Federal 13.146/2015, que diz:
Art. 44. § 6º As salas de cinema devem oferecer, em todas as sessões, recursos de acessibilidade para a pessoa com deficiência.
E
nem mesmo os direitos autorais podem ser utilizados como desculpa para
não fornecer acessibilidade. Mas então por que as sessões já não são
todas acessíveis?
Porque além dos prazos da lei, um pouco depois, no ano de 2016 foi divulgada a Normativa 128 da ANCINE (Agência Nacional do Cinema), que determina as responsabilidades e detalhes: o produtor do filme é responsável por fazer as legendas, e enviá-las ao exibidor (cinema), que deve exibir as legendas.
Na prática, como é essa acessibilidade?
Segundo a normativa 128 da Ancine, atualizada pela normativa 148/2019:
“Art. 3º. As salas de exibição comercial deverão dispor de tecnologia assistiva voltada à fruição dos recursos de legendagem, legendagem descritiva, audiodescrição e LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais.
1º. Os recursos de acessibilidade deverão ser providos na modalidade fechada individual.
Este trecho fala de legendagem (comum), legendagem descritiva e Libras. Ou seja, todas as opções acima devem estar disponíveis, e não apenas uma delas. A audiodescrição é para pessoas com deficiência visual.
E o que é legendagem descritiva? São aquelas legendas em que “devem ser explicitadas informações de efeitos sonoros, música, sons do ambiente, silêncios significativos”, conforme a normativa. Ou seja, quando estiver chovendo, deverá aparecer na legenda algo como: “Barulho da chuva”, quando um carro ligar, deverá aparecer “Barulho do motor”, e assim por diante.
E o que significa modalidade fechada individual?
Individual significa que toda essa acessibilidade será fornecida de uma maneira que seja visível apenas para quem precisa, sem impactar os outros espectadores. Modalidade fechada significa de forma que possa ser desligada ou ligada conforme necessidade. Portanto, a legenda não será na tela, para todos verem, mas sim em equipamentos que permitam a exibição individualmente.
Alguns
cinemas já começaram a divulgar as tecnologias que estão utilizando,
por exemplo, um dispositivo acoplado na cadeira, em que aparecem as
legendas ou Libras sincronizadas com o filme, como nos exemplos abaixo:
Dolby Captview
Mobi Load, Steno
E se for um grupo de surdos, quantos equipamentos desses a empresa deve ter?
Isso
depende do número de salas do cinema (considerando cada unidade de
cinema individualmente, e não a soma de todas as salas do país). Se
tiver uma só sala, terá no mínimo 3 equipamentos, se tiver 2 salas, no
mínimo 5 equipamentos, e para 5 salas, 9 equipamentos. A tabela completa
relacionando o número de salas e o número de equipamentos está no anexo
da normativa 128. Quando você for ao cinema, é só solicitar na
bilheteria e indicar a acessibilidade que precisa.
A pergunta de ouro: quando começa a valer?
Já começou parcialmente! O prazo é diferente conforme o tamanho da empresa, considerando aqui todas as salas da rede, em todo o país. Para as empresas com 21 salas ou mais de exibição no país, a acessibilidade já deve ser conforme os prazos:
- A partir do dia 16 de junho de 2019, 15% (quinze por cento) do total de salas; e
- A partir do dia 16 de setembro de 2019, 35% (trinta e cinco por cento) do total de salas.
- A partir do dia 1º de janeiro de 2020, 100% (cem por cento) do total de salas.
E para as empresas com 20 salas ou menos, conforme os prazos:
- A partir do dia 16 de setembro de 2019, 30% (trinta por cento) do total de salas.
- A partir do dia 1º de janeiro de 2020, 100% (cem por cento) do total de salas.
Para empresas de pequeno porte e microempresas, o prazo é até junho de 2020.
Porém…
Levamos
um balde de água fria no último dia de 2019, um dia antes de a
normativa entrar em vigor, do prazo para 100% de acessibilidade. A
Medida Provisória MP 917/2019 adiou por mais um ano a total adequação dos cinemas, sob a desculpa de que os cinemas não receberam as verbas para esta adequação.
A MP ainda pode ser revogada, pois passará por votação no plenário. Clicando aqui você acompanha a tramitação
e pode ativar alertas de email para quando houver alguma movimentação.
Não é revoltante ver que chegamos a 2020 e ainda não temos
acessibilidade em cinemas? Ainda mais com uma desculpa como esta, não é?
Só vejo vantagens com a inclusão, as empresas teriam retorno
financeiro, afinal milhares de pessoas finalmente poderiam ir ao cinema,
e nós teríamos o direito de assistir a um filme como qualquer cidadão.
Alguns cinemas já estão adaptados parcialmente, e as reações são as mais diversas. Há algumas pessoas que gostaram e se emocionaram por finalmente ir ao cinema e ter legendas. Por outro lado, há muitas que não se sentiram confortáveis e odiaram essa opção de exibição.
A tecnologia utilizada pode não ser perfeita para todos, mas como está
cumprindo o que determina a normativa, infelizmente não depende só do
cinema para mudar.
Em contato com a ouvidoria da Ancine, questionamos sobre essa modalidade que se mostrou sem
agrado ao público, e inclusive demandando maior esforço visual pela
troca de foco da visão (foco do olhar na tecnologia assistiva, que está
perto, e foco na tela do cinema, que está longe, repetidamente), o que
pode causar dores nos olhos e até tonturas. Sugerimos a exibição das
legendas na tela, junto com o filme, como algumas empresas tentaram e
tiveram ótima reação do público consumidor, além do menor custo.
A Ancine respondeu que:
“A
Análise de Impacto Regulatório (…) recomendou a adoção de modalidade
fechada individual por entender que ela seria a que melhor conjugaria os
interesses dos usuários e não usuários dos recursos de acessibilidade,
além de garantir máxima inclusão. Esta máxima inclusão significa,
essencialmente, a possibilidade de fruição concomitante do conteúdo audiovisual, com ou sem o auxílio de recursos de acessibilidade.
Reconhecemos que cada opção de ação traz um conjunto de trade-offs, e as
tecnologias atuais para a modalidade fechada individual de fato possuem
algumas desvantagens, relacionadas, por exemplo, à distância focal e ao
nível de brilho gerado. Por
outro lado, é a única modalidade que permite que os recursos de
acessibilidade sejam disponibilizados apenas para aqueles que assim o
desejarem, reduzindo o inconveniente gerado à parcela do público
espectador que não empregará tais recursos.” – Ancine.
Resumindo,
eles reconhecem que esse modelo tem desvantagens, mas o escolheram
porque não desejam afetar o público que não precisa da acessibilidade.
Mas se a acessibilidade de uma pessoa não pode “atrapalhar” outra, por que é que temos alguns acessórios ofertados que só permitem a legenda junto com a Libras? A pessoa é obrigada a ver o intérprete na telinha do dispositivo o tempo todo se quiser ver as legendas.
Oras, se a legenda não é na tela do cinema porque não querem “atrapalhar” quem não precisa dela, então nós, surdos, também temos direito de não ver os recursos que não precisamos, não é?
Por isso, mais uma vez fomos à ouvidoria da Ancine, que nos respondeu
que entrará em contato com o fabricante e que vai analisar se altera a
normativa em função desta reclamação.
Opiniões de quem já testou
No nosso grupo do Facebook algumas pessoas já testaram, ou pelo menos já estão sabendo do assunto e deram suas opiniões, veja:
Tielli: “Pois
bem, ontem fui num dos cinemas ver como é isso. Chegando lá perguntei e
me forneceram um aparelho onde aparece um intérprete de Libras e uma
legenda. Não acreditei naquilo, como vou olhar para as duas coisas ao
mesmo tempo? Testei e comprovei, não tem como olhar para as duas coisas
ao mesmo tempo. Ou você olha para a telona, vê o filme, a arte, a
interpretação e não entende nada.
Ou
você olha para o aparelhinho, lê as legendas e não vê o filme!!!
Inacreditável!!!! Qual a dificuldade de colocar legenda nos filmes
nacionais? Todos os estrangeiros tem legenda, não tem?! E teve mais, eu
não ouvi na hora, mas as minhas amigas me contaram. Eis que a senhora
que estava atrás de mim reclamava: “Esse celular tá atrapalhando” e
alguém do lado dela tentou explicar: “Não é celular, é a acessibilidade
dela” e a senhora: “Ace o quê???! Affff”
Maria: “Só
que não me animo muito com isso, porque parece que a acessibilidade vai
ser na forma de tablet, ou você olha pro telão ou para o tablet. Fica
difícil de acompanhar o filme assim.”
Dani: “Eu
achei ruim, mas não impossível de usar, claro que é só a minha
experiência, sendo que leio rápido e não tenho problema de visão. Para
outros pode ser bem diferente. É uma pequena tela, em um “braço”
metálico articulável, que encaixa em qualquer poltrona. Acho que cada um
precisa testar, ver se gosta ou não. O que achei péssimo foi que a
marca que o cinema da minha cidade comprou não permitia ver só as
legendas sozinhas, era legenda + Libras, o intérprete tirou tanto a
minha atenção que tampei ele com papel preto e fita adesiva que pedi na
recepção.”
Rafael:
“Vi os surdos sinalizados reclamarem e discordar de usar o dispositivo
separado… Preferiram diretamente na tela, pelo menos a legenda tem que
ter, como sempre existiu [nos filmes legendados].”
Rosana: “As soluções escolhidas são sempre as mais complicadas e inúteis…E realmente atrapalha os outros espectadores.”
Sônia: “Quem
criou e comercializa o sistema de legendas nos tablets não deve
precisar usar o recurso, então não entende que é um sistema incômodo e
pouco eficiente. Se ler as legendas assim é complicado imagino que olhar
o filme e olhar a interpretação em Libras é mais difícil ainda…Na
verdade inventam coisas sem consultar as pessoas que vão usar.”
Por último…
A
normativa sem dúvidas é um passo na direção certa, embora a forma como a
acessibilidade foi determinada esteja gerando tanta polêmica. Não deixe
de fazer sua parte, enviando sua opinião para a ANCINE e sugerindo
melhorias. Se você já testou alguma tecnologia dessa no cinema, comente o
que achou! Se não testou, que tal procurar o cinema mais próximo, que
já esteja adaptado, e ter essa experiência?
Se,
após o prazo, não estiverem disponíveis os recursos de acessibilidade,
as penalidades vão desde advertência até multa de cem mil reais, em
processo administrativo ainda a ser regulamentado. Portanto, fique de
olho e denuncie se não tiver acessibilidade!
https://cronicasdasurdez.com/filmes-legendados-acessibilidade/
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