A central Natália perdeu 70% da audição, mas consegue acompanhar os treinos
É preciso esforço para reparar que entre as novas contratações do
Brasília Vôlei está a primeira atleta surda da modalidade a atuar
profissionalmente no Brasil. Nos treinos na quadra de areia do Sesi
Taguatinga, a central Natália Martins, 30 anos, age naturalmente:
responde aos comandos do técnico Manu, brinca e solta risada com as
colegas. Não fosse o aparelho na orelha direita, seria difícil saber que
ela tem uma perda de 70% de audição.
Conhecida na Superliga Feminina, na qual atua desde 2007, a jogadora
considera a adaptação mais fácil a cada nova equipe que defende. “São
poucas as jogadoras que não conheço. Quando elas me perguntam como falar
comigo, eu digo para irem falando. Pode deixar que eu me acho”, diz,
confiante.
A central Roberta, uma das remanescentes do elenco do Brasília Vôlei
da última temporada, foi madrinha de casamento de Nati — elas se
conheceram no Sesi-SP em 2011. Já a relação com o técnico Manu, que
chegou ao time brasiliense há pouco, é bem mais antiga. Tanto que a data
de quando trabalharam juntos, no Minas, está meio confusa na memória
dos dois: “Foi em 2006 ou 2007, por aí”, arriscam.
Após participar com moral da estreia de Nati na elite do vôlei, pois o
Minas acabou na terceira colocação, Manu terá toda uma temporada para
matar as saudades, agora em solo candango. Para ajudar a atleta com uma
possível leitura labial, o treinador procura falar de frente para Nati.
“Apesar de não saber se comigo isso ajuda muito, já tenho a dicção
péssima”, lamenta Manu, em tom de descontração.
A verdade é que tanto dentro quanto fora de quadra, o tratamento
pouco se altera. “Pra mim, a Nati é igual às outras. Ela corresponde às
expectativas, e a trato normalmente. Às vezes, até esqueço o problema
auditivo”, emenda o comandante.
Como a própria jogadora descreve, ela tem uma “percepção bem rápida”
do que é dito ao redor dela. “Adquiri isso na prática. Fico ligada nos
gestos de todo mundo, com a atenção redobrada. Tem vez que as pessoas
nem estão me chamando, mas eu já olho”, explica.
Carta para Bernardinho
A mãe de Natália Martins constatou o problema auditivo da filha
quando ela tinha 4 anos. A música muito alta foi o principal indicativo.
“No começo, eu sentia vergonha, porque tinha o cabelo muito curtinho e
ficava de lado para tentar esconder o aparelho”, lembra Nati. Mas a
baixa autoestima durou pouco. “Um ou outro fazia piadinha na escola, mas
isso só me fez crescer”, ressalta, emendando que as pessoas com a
intenção de ajudar acabaram sendo maioria na vida dela.
Uma dessas pessoas foi o técnico Bernardo Rezende, à frente da
Seleção masculina desde 2001. Aos 12 anos, Nati já havia mudado da
ginástica artística para o vôlei, por indicação da treinadora, já que
era uma criança muito alta. Ao encontrar uma página de Bernardinho na
internet, a jogadora de Lorena (SP) não pensou duas vezes em tentar
contato com o ídolo. O meio foi um texto on-line. “No fim, perguntei se,
sendo assim como sou, um dia eu chegaria a ser como ele, campeão de
tudo”, conta.
A primeira resposta do treinador, dada pela internet mesmo, foi que,
se ela tivesse garra e determinação, um dia chegaria lá. Já a segunda,
ao saber da tal cartinha, foi pessoalmente, por ter sido chamada para
defender o Brasil. “Quando soube que eu cheguei à Seleção, o Bernardo
correu e me deu um abraço.” O cumprimento, cheio de emoção, se repete
nos jogos em que se encontram, por enquanto, apenas como adversários. E,
mesmo ao saber de Bernardinho sobre a intenção de um dia trabalhar com
ela, Nati não perde a oportunidade de fazer graça. “Para você gritar
comigo? Eu não”, brinca.
http://www.surdosol.com.br/brasilia-contrata-primeira-deficiente-auditiva-a-praticar-volei-profissionalmente/
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