Dia 11/01: dois meses de ativação do IC. Como passa rápido!
Descobri que não tenho NENHUM complexo de perfeição. Se não entendo algo ou não ouço quando alguém me chama de primeira, isso não me incomoda.
Sinto um baita prazer em passear pela rua com o cachorro e ir ouvindo
tudo pelo caminho, especialmente os passarinhos. Dia após dia vai
ficando mais fácil de entender o que a família diz sem ajuda da leitura
labial. Aliás, se há alguém que não consegue se acostumar comigo na versão cyborg
é meu irmão. Não tem o que convença a criatura de que não preciso mais
ficar olhando pra ele enquanto ele fala. Continua me cutucando
freneticamente até eu olhar. Sem olhar pra ele, sem papo. Mereço?
Vim para a praia depois do Natal – estou de férias. Não sei se vocês lembram mas em 2013 escrevi daqui um post sobre memórias auditivas,
e não foi muito otimista. Ano passado voltei pra cá (Capão da Canoa)
depois de uns dez anos sem vir. A experiência foi estranha, porque meu
cérebro pedia sons que ouvi durante toda minha infância e adolescência, e
eles não existiam mais. Eis que este ano tive o prazer de voltar já com
o implante coclear ativo e operante, e a sensação foi de reencontro. De normalidade. Me senti a mesma pessoa de antigamente. Estou ouvindo tudo o que sempre ouvi por aqui
– com exceção do jornaleiro aos berros às 7 da manhã gritando ‘Zeeeero
Hoooora’ porque graças a Deus eles não trabalham mais assim. Só tem um
probleminha: não consigo acreditar que sol, suor e maresia não vão fazer o IC pifar. Isso me dá calafrios. Virei a louca do desumidificador. Basta suar um pouquinho que tiro o IC e deixo 1h lá. Segundo o Alexandre Lopes, da POLITEC, eu sou doida mesmo porque, se minha neurosa procedesse, não haveria implante coclear no Nordeste!
Comecei a sentir muita vontade de falar ao telefone.
Segundo minha fono, programa para telefone e música só lá por meados de
fevereiro. Aí vai dar pra começar a testar, tentar e ver o que
acontece. O engraçado é que nunca antes senti vontade. Já consigo
entender mensagens de voz do WhatsApp se forem curtas e com boa dicção. Quanto mais coisas a gente entende, mais coisas quer entender.
Ah, o mar. Fui até a plataforma de Atlântida só pra ouvir o mar de IC. Veredicto? Gostei de ouvir com ASSI+IC,
só de IC, o som não tinha tanta riqueza de detalhes e intensidade.
Valeu a pena ter encarado a cirurgia só pra ouvir as ondas quebrando e a
espuminha evaporando na areia de novo. A parte boa é que tanto o
aparelho auditivo quanto o implante coclear cancelam aquele som chaaaato
de vento entrando na orelha.
Como escrevi lá na fanpage do Crônicas no Facebook, me dei por conta de que desde o IC sou obrigada a participar de situações de stress me estressando do mesmo jeito que as pessoas que ouvem!
Antes, como não pegava a gritaria, o stress sonoro, discussões e
barulhos altamente desagradáveis, não entendia porque as pessoas se
estressavam TANTO. Hoje, não só entendo como me estresso tal qual um ouvinte. É, difícil não ser irritado ouvindo… Eu era feliz e não sabia! Rsrsrs.
Coisas bizarras acontecem: um dia desmaiei por pressão baixa e estourei a cabeça no chão. Imagina se tivesse caído bem em cima do IC? Tive sorte. Outro prazer recém descoberto
é dirigir conseguindo conversar com a pessoa que está no banco de trás.
Nunca me passou pela cabeça que seria capaz de uma proeza dessas.
Tenho encontrado com algumas pessoas que também fizeram IC recentemente.
Algumas estão tão felizes e entusiasmadas quanto eu. Outras, nem tanto.
E há ainda aquelas desanimadas com a coisa toda. O que não consigo
deixar de notar são os cônjuges. Alguns têm um olhar tão aconchegante, bonito, compreensivo.
Falam sobre o IC com desenvoltura, entendem do assunto, deixam a pessoa
se sentindo apoiada e à vontade. E há aqueles que têm um olhar pavoroso. Senti vontade, num desses encontros, de aconselhar a pessoa a largar de mão a tal bengala,
digo, cônjuge, chutar o balde e tratar de encontrar alguém que não
sentisse vergonha ou receio de estar ao seu lado. Francamente!
Por último, continuo recebendo vários emails de pessoas perguntando como é que tenho coragem de sair por aí usando Implante Coclear, uma coisa ‘tão grande, tão feia, tão visível‘. Meu sangue ferve quando leio essas coisas. Fico pensando com meus botões que quem tem coragem de pensar/escrever algo tão fútil ainda não é merecedor de voltar ao mundo dos sons. Só faça IC se você tiver certeza mais do que absoluta. Caso contrário, vai ser difícil aguentar o tranco. Sinto muito orgulho do meu
e até hoje não vi ninguém olhando pra ele com cara de ponto de
interrogação. E, se por alguém acaso alguém o fizer, olho bem nos olhos e
mando um beijo!
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