Jovem recebeu auxílio de intérprete, mas tradução foi apenas de palavras.
Profissional diz que surdos precisam entender o contexto das orações.
Natalia vai entregar carta à promotoria de Justiça
(Foto: Natalia Carla/Arquivo Pessoal)
(Foto: Natalia Carla/Arquivo Pessoal)
Uma estudante surda de Santos,
no litoral de São Paulo, encontrou dificuldades para responder às
questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), realizado no último
fim de semana. Embora uma legislação específica garanta que o candidato
com deficiência auditiva receba auxílio de um intérprete em Língua
Brasileira de Sinais (LIBRAS), as duas profissionais que assistiram
Natália Carla, de 19 anos, traduziam apenas palavras, seguindo uma
recomendação da coordenadoria regional da prova. A norma dificultou a
interpretação do contexto das perguntas e alternativas por parte da
jovem, já que LIBRAS não utiliza preposições ou conectivos em textos,
como a língua portuguesa. A estudante escreveu uma carta de próprio
punho e levará o caso à promotoria de Justiça, sugerindo mudanças.
No documento, ela relata a dificuldade que encontrou durante o exame.
“O surdo não entende a estrutura da língua portuguesa. Apenas quem fala
português entende o Enem. Os surdos precisam de interpretação do
conteúdo de toda a prova. Não entendi nada. Precisamos de Tudo em
Libras, por favor”, pede a jovem.
As provas do Enem devem seguir a Recomendação nº 001/2010 do Conselho
Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade) que aborda
sobre “a aplicação do princípio da acessibilidade à pessoa surda ou com
deficiência auditiva em concursos públicos, em igualdade de condições”.
Libras foi oficializada como a segunda língua brasileira, após a
publicação da Lei nº 10.436/2002.
Elayne é intérprete da jovem Natalia Carla
(Foto: Elayne Kanashiro/Arquivo Pessoal)
(Foto: Elayne Kanashiro/Arquivo Pessoal)
A intérprete de Libras e professora do Instituto Federal de São Paulo,
Campus Cubatão Elayne Kanashiro, explica que a leitura do surdo é
diferente da de quem possui uma audição perfeita. Segundo ela, que é
professora da garota mas não a acompanhou durante a prova, os surdos
profundos, como são chamados aqueles que não escutam nenhum tipo de som,
precisam entender o contexto da frase. "Embora eu não tenha trabalhado
na prova, conversei com várias colegas e alunos que me relataram essa
dificuldade. O intérprete foi direcionado a traduzir apenas as palavras
por recomendação que recebeu dos coordenadores. O problema é que
precisamos respeitar o contexto do surdo, com a interpretação das
palavras e orações".
Carta de próprio punho foi escrita pela jovem
(Foto: Reprodução)
(Foto: Reprodução)
No entanto, uma recomendação do próprio site do Enem deixa dúvidas. No
regulamento consta que, em caso de dúvida nas orações o candidato pode
pedir ajuda. "Mas como você só vai traduzir palavras se eles não
compreendem somente as palavras soltas?", questiona.
Natalia é aluna de Elayne e relatou a dificuldade à intérprete. Ela
pediu ajuda para levar o caso à promotoria de Justiça, pedindo atenção à
causa. "Ela ficou desmotivada, porque ninguém traduziu nada, somente
palavras e ela não entendeu o contexto. Poucas coisas e isso não
adianta. Nem alternativa nem pergunta. A menina saiu sem entender. Ela
não conseguiu se concentrar para entender o que estava escrito porque
ficou nervosa com a situação", revela.
A jovem finaliza a carta fazendo um apelo: “Eu quero uma intérprete para traduzir tudo e eu entender bem", afirma.
Em nota, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
(Inep), responsável pelo Enem, afirma que vai aguardar a chegada das
atas dos locais e analisar as ocorrências.
http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2014/11/nao-entendi-nada-afirma-estudante-surda-que-prestou-prova-do-enem.html
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