Implante Coclear: verdades e mentiras
Me repassaram pelo Facebook informações a respeito de um livro que fala que o Implante Coclear pretende ‘normalizar’ as crianças surdas e o quanto se deve resistir a ele. Repasso a vocês as informações que recebi para que vocês leiam e formem as suas opiniões.
‘Na contracapa, a Profa. Ronice Quadros apresenta: Patrícia Luiza Ferreira Rezende traz em IMPLANTE COCLEAR: NORMALIZAÇÃO E RESISTÊNCIA SURDA uma reflexão sobre os campos de tensão existentes sobre os corpos surdos.
É uma leitura densa e perspicaz sobre as relações complexas envolvidas
na questão do implante coclear envolvendo vários autores, entre eles, os
surdos, os pais, os médicos e os fonoaudiólogos. A tensão parte da
exclusão da criança surda implantada da comunidade surda. A proibição da
língua de sinais pelos que fazem o encaminhamento do implante coclear
representa uma violência para os surdos, pois inviabiliza a criança
surda a se reconhecer parte da comunidade surda. A complexidade dessas
relações é discutida pela autora a partir de sua perspectiva enquanto
surda, integrante da comunidade surda brasileira. É uma leitura que
desestabiliza o outro e a nós mesmos e nos provoca a construir novos
olhares sobre a questão. Assim, convidamos a vocês, leitores, a aceitar
este desafio e adentrar nessa leitura”. Para ler a tese de doutorado da
autora do livro, clique aqui.
Este blog está careca de publicar casos de sucesso do implante coclear, de crianças a adultos. Como foi muito bem dito por um amigo meu, Gilberto Ferreira, ”o
que me entristece nessa história de cultura/resistência/comunidade
surda é a defesa da exclusão social. Num mundo que precisa, como nunca,
de integração, escolhem a segregação própria… Acho isso triste!”
Pois eu também acho triste. Outro amigo, Thales Lobo, me disse o
seguinte: “E não só a segregação própria, mas a alheia. Porque ninguém
está querendo obrigar ninguém a fazer nada que não queira. Por exemplo,
não existe um movimento dos ouvintes ou dos surdos oralizados querendo
forçar os surdos sinalizados a fazer IC. O que existe, isto sim, é uma reação dos sinalizados contra a oportunidade de os pais de crianças surdas oferecerem o IC a seus filhos. Ninguém aqui está combatendo “os surdos sinalizados”, mas esse “sindicalismo” que fala supostamente
“em nome” da “ideologia” da sinalização, que parece partir do
pressuposto de que os “Surdos” são uma outra espécie, cujos “corpos
Surdos” são propriedade do “sindicato”, e o “sindicato” é quem sabe o
que é melhor, só o “sindicato” pode apreciar o seu “ser “ser surdo”; os
pais, meros membros da espécie humana, não são capazes de amar, querer o
melhor e tomar decisões informadas por esse amor para com essas
crianças. A Libras é uma língua e uma cultura como as demais línguas e
culturas, e tem o direito de existir, argumenta a “ideologia” do
“sindicato dos surdos”. Concordamos. Mas nenhuma língua, nenhuma
cultura luta para sequestrar as crianças, contra a vontade dos pais,
para que elas sirvam à propagação da cultura. O bonito das
línguas e das culturas é, justamente, que elas se enriquecem em contato
umas com as outras. Mas não a “cultura Surda” (nessa versão
ideologizada, que é, certamente, uma caricatura da cultura que evolui a
partir do uso da língua de sinais). Ela advoga ser a única proprietária
dos “corpos surdos”, que existem para propagá-la. A língua de sinais,
que devia ser um fator de integração, uma ponte, não só
entre os surdos sinalizados, mas, por que não, entre sinalizados,
ouvintes, oralizados, falantes português, de espanhol, de inglês, de
tupi, passa a ser um muro, uma barreira que separa os sinalizados da
“raça inferior” “implantada”, que pode ser “tentada” a falar uma língua
oral graças à maldade desses pais que quiseram aumentar as opções
culturais dos filhos “medicalizando-os”. Acho que pouca coisa merece
mais valor do que a existência de diversas línguas, diversas culturas e o
diálogo entre elas. Mas esse diálogo exige que elas não se fechem em si, que elas se abram para a experiência universal da humanidade, que elas busquem o que existe de verdadeiro e comum às visões de todas as culturas, em todos os lugares e todos os tempos.”
Qual a diferença básica entre surdos sinalizados e surdos oralizados? Os primeiros sabem o que é ser surdo, os segundos sabem o que é se tornar surdo. Sabemos o que é a perda de um sentido
pois soubemos como foi ter esse sentido e todas as maravilhas e toda a
segurança proporcionada por ele. Eu não sou menos surda do que você e
você não é menos surdo do que eu. Você não é superior por usar língua de
sinais e eu não sou superior por querer ouvir.
Já diziam John Lennon e Yoko Ono há muitas décadas atrás: não odeie o que você não compreende!!
Reproduzo abaixo o depoimento da Lak Lobato, do Desculpe Não Ouvi, sobre o seu implante coclear bilateral.
“Lamento imensamente que haja pessoas capazes de falar mal do implante coclear…
Eu passei 23 anos de minha vida em
silêncio. Silêncio este que não escolhi. Ele veio numa noite quando
faltava poucas semanas para completar 10 anos e levou embora a
capacidade sensorial que nos conecta com o mundo ao nosso redor. Seria
mentira se eu dissesse que fui infeliz nesses 23 anos. Quem me conheceu
durante esse período sabe que sempre fui uma pessoa alegre, que tirava
de letra todas as mazelas do dia a dia. Eu sempre estudei. Namorei
muito. Fiz todos os cursos e viagens que o meu bolso (e da minha mãe) me
permitiu. Minha vida nunca foi menor ou incompleta só porque eu tinha
deficiência auditiva. Mas, confesso que sempre senti falta de ouvir. Somos seres sensoriais.
Gostamos do toque firme de um abraço. Do cheirinho de pão quente e café
recém passado de manhã. Fazemos poesia para a beleza do pôr-do-sol.
Adoramos o sabor das frutas frescas colhidas direto do pé. Por que ouvir
seria diferente? Nosso entusiasmo depende muito do que sentimos, do
estímulo desses sentidos que nos definem como seres humanos. E, como meu sentido auditivo me foi negado pela biologia, coube buscar recursos tecnológicos para poder alcança-lo novamente.
O implante coclear não é barato, concordo. Há pessoas que ganham
dinheiro com ele, também concordo. Mas são essas mesmas pessoas que
tornam essa realidade possível. E quem pode mensurar o valor monetário
do pôr-do-sol ou o preço de um abraço apertado dado pelo ente amado num
dia frio? Quanto você estaria disposto a pagar por aquilo que torna a
vida melhor, mais intensa e verdadeira? Depois de 23 anos de silêncio,
foi graças ao implante coclear que pude ouvir o som da chuva. O barulho
do mar. Descobrir que o miado dos gatos é um som e que não tem nada a
ver com a palavra “miau” que usam para se referir a isso. Pude gargalhar
com o som da pipoca estourando no meio de uma tarde chuvosa. Pude me
surpreender com o som da minha própria respiração… Três anos depois, um
novo milagre: o segundo IC me deu acesso outra vez à voz humana. E pude
descobrir o valor imensurável de cada palavra que, lentamente, era capaz
de decifrar. Frases que tomaram conta do meu cotidiano. Descobri que as
pessoas falam enquanto abraçam. Que o sotaque dos cariocas é delicioso
de ouvir. Descobri que as palavras cantadas ficam diferentes das
faladas. Descobri o que é uma jura de amor dita ao pé do ouvido. Que
facilidade é pegar o telefone e trazer pro fundo da alma a voz de un
amigo querido a 450km de distância. Tudo isso e mais um número infinito
de sons que sou incapaz de listar, são o valor que define o implante
coclear. Quando país de crianças
nascidas surdas escolhem o IC para seus filhos, não é porque querem que
seus filhos sejam perfeitos, ou porque querem esconder uma deficiência.
Eles querem que os filhos tenham acesso a todas as experiências
riquíssimas que só são possíveis através do sentido auditivo.
E privar crianças dessa experiência só porque tem gente preocupada em
manter uma cultura deveria ser considerado crime. A cultura deveria
servir seres humanos e não humanos serem escravos dela! O
IC não impede ninguém de aprender qualquer idioma que seja. Tampouco
proíbe que a LIBRAS seja o primeiro idioma de alguém. Mas negar o IC,
criar teorias conspiratórias, propagar lendas falaciosas, ameaçar
exclusão do grupo aos que optam por tentar ouvir, isso tudo impede o
real direito inalienável de escolha. Quando optei por
divulgar o IC, em momento algum tive pretensão de me tornar porta-voz
dessa tecnologia. Eu apenas amei poder voltar a escutar. Mesmo ciente
que não estava curada. Apenas tenho acesso ao som através de um recurso
tecnológico. Mas, a revelia das minhas pretensões, se é de mim que
esperam uma resposta, aí está: que o medo não nos torne reféns! O
implante coclear é uma das maiores invenções da medicina. Que todos
aqueles que tenham indicação para usá-lo, tenham também oportunidade.
Ele vale a pena! Torna a vida mais rica, mais intensa, mais completa.
Falo isso pelas minhas experiências diárias, relatadas com paixão, com
sinceridade, com humildade. Apenas tudo o que desejo para qualquer outro
ser humano. Sem querer nada em troca!
Beijinhos sonoros,
Lak”
Como qualquer cirurgia, o IC está sujeito a riscos. Acho grave que se use algum caso de insucesso isolado para aniquilar os milhares de casos de sucesso. Em
hipótese alguma devemos esquecer que um surdo que fez IC não deixa
jamais de ser surdo. E, como sempre digo, esse tipo de rebuliço só
ocorre na deficiência auditiva – alguém consegue
imaginar que pais de crianças cegas poderiam não oferecer a elas a
chance de enxergar, se pudessem, em prol da continuidade do Braile?
Vamos deixar os pais das crianças surdas decidirem sozinhos, apenas
apresentando nossas histórias de vida. Querer influenciar alguém a fazer
ou não fazer alguma coisa, especialmente se for propagando medo e mentiras, não é nem um pouco ético.
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