Li esse livro delicioso na beira da piscina do hotel da Praia Brava, nas minhas férias de verão. Não conseguia largar. Imaginem um cara com surdez profunda, usuário de AASI, que larga tudo e vai fazer trabalho voluntário na África, num vilarejo onde as pessoas nunca tinham visto um surdo antes!! Fiquei admirada com a coragem dele. Com a ousadia. Com a vontade de conhecer o mundo sem pensar na própria deficiência auditiva como um impeditivo. Selecionei alguns trechos – o livro é em inglês e a tradução ‘à la louca’ é minha. Acho que vocês vão gostar e se identificar!
“Maybe this was why my parents
largely ignored my deafness. Not because they were scared of damaging my
self-esteem but because the collective energy of the four of us banging
off the walls drowned out a quiet thing like the inability to hear. And
maybe that’s not so bad. I learned to adjust, think on my feet, forget
what I couldn’t do, and focus on what I could. As a kid learns to swim
by being thrown into the deep end of the pool, so I learned to get by in
the hearing world.”
Talvez por isso meus pais ignoraram
minha surdez. Não por medo de prejudicar minha auto-estima, mas talvez
a energia coletiva de quatro crianças batendo nas paredes tenha abafado
algo silencioso como a incapacidade de ouvir. E talvez isso não tenha
sido ruim. Eu aprendi a me adaptar, pensar por mim mesmo, esquecer o que
eu não conseguia fazer e focar naquilo que conseguia. Assim como uma
criança aprender a nadar sendo jogada no fundo da piscina, assim eu
aprendi a conviver com o mundo ouvinte.
“Many people never realized that
I was deaf. I could speak almost perfectly. You only picked up the
faintest deaf accent if you were really listening for it, if I was
tired, or if you were a highway patrolman and I was exaggeratingly
slurring my words in a play for sympathy to get out of a speeding
ticket.”
Muitas pessoas nunca perceberam que eu
era surdo. Eu posso falar quase perfeitamente. Você só percebia o
sotaque ‘surdo’ se você estivesse realmente prestando atenção, se eu
estivesse cansado, ou se você fosse o policial rodoviário e eu estivesse
exagerando para escapar de uma multa de trânsito.
“Hearing aids amplify every
single sound they encounter, including the ones you’d rather they didn’t
- your own voice, the vacuum cleaner, the bus brakes and baby cries,
you mother calling you to do chores. All that noise is difficult to
decipher, so hearing is not quite the right word for what hearing aids
bring forth. Amplified 90 decibels, voices aren’t saying words so much
as the idea of words. With lipreading and guesswork, your brain has to
turn the ideas into words – and while I did fine in quiet places, in
noisy surroundings I was lucky to get a tenth of what was said.”
Aparelhos auditivos amplificam todos os
sons que encontram, incluindo aqueles que você preferiria que eles não
amplificassem – sua própria voz, o aspirador de pó, o ônibus e os bebês
chorando, sua mãe lhe chamando para fazer as tarefas. Todo esse barulho é
difícil de decifrar, então audição não é exatamente a palavra certa
para o que os aparelhos trazem. Amplificadas para 90 decibéis, as vozes
não nos dão mais do que a idéia de palavras. Com leitura labial e
adivinhação, o seu cérebro precisa transformar as idéias de palavras em
palavras – e enquanto eu não tinha dificuldades com isso em lugares
silenciosos, em lugares barulhentos eu captava um décimo do que havia
sido dito.
“So instead, she asked me about
hearing loss and I, for the first time in my life, really did want to
share my experience of it with someone else. In the States deafness was a
touchstone for every experience but it wasn’t that in Mununga so I had
some distance and was much more at ease with it. We did an experiment:
Maria produced a pair of earplugs and put them in her ears and I took
out my hearing aids, and we cut the lights and went to bed and love in
darkness. Each of us was blind and deaf, down three senses to five, the
three expanding like gases in a vacuum, everything concentrated in a
fingertip – lovely, but when it was over I felt like I had betrayed
something.”
Em vez disso, ela me perguntou sobre
minha deficiência auditiva e eu, pela primeira vez na vida, realmente
senti vontade de dividir minha experiência com outra pessoa. Nos EUA, a
surdez foi um marco em cada experiência mas não era assim em Mununga,
então me distanciei um pouco e isso foi mais fácil. Fizemos um
experimento: Maria fez um par de tampões de ouvido e colocou-os nos seus
ouvidos, e eu tirei meus aparelhos, e nós desligamos as luzes e fomos
para a cama fazer amor no escuro. Cada um de nós estava cego e surdo,
diminuindo de cinco para três os nossos sentidos, os três expandingo
como gases no vácuo, tudo concentrado no toque de um dedo. Adorável, mas
quando tudo acabou, senti como se tivesse traído alguma coisa.
“Everyone spoke loudly and
clearly and I was enjoying being hearing. Even if, as Maria and I had
discussed, it didn’t matter in the large scheme of things, hearing well
made day-to-day life a hell of a lot easier.”
Todos falavam alto e claro e eu estava
gostando de ser ouvido. Mesmo que, como eu e Maria havíamos discutido,
isso não importasse ‘no largo esquema das coisas’, ouvir bem tornava o
dia-a-dia muito mais fácil.
“One thing about deafness is you
come to develop an intuition based on physical observation. Body
language – posture, motion, expression – reveals so much. The loneliness
in the way a woman gives goodbye; the anger in how a man opens and
closes his fist – people are open books. They give their secrets away
every moment: in how they study their reflection, how they check the
time. Thing was, that moment when the parade of villagers came over the
hill, their energy, the energy I sensed before I saw or heard them –
that energy was clean. I felt like happiness.”
Uma coisa sobre a surdez é que você
desenvolve uma intuição baseada na observação física. Linguagem corporal
– postura, movimento, expressão – revela muito. A solidão no modo como
uma mulher dá adeus; a raiva como um homem abre e fecha o pulso – as
pessoas são livros abertos. Mostram seus segredos a cada momento: em
como analisam seu reflexo, como olham as horas. No momento que a parada
dos moradores veio do morro, a sua energia, a energia que senti antes de
vê-los ou ouvi-los – era uma energia limpa. Senti felicidade.
“If you could take a pill that
could make you hearing, would you? Was a question posed by the school
newspaper, and a vast majority of the students said no, we are proud of
who we are. But who we are, I wanted to know? Who looks out from our
eye? Even here where working ears are irrelevant I felt out of place. To
the deaf students I was hearing, just as to the hearing people I was
deaf.”
Se você pudesse tomar uma pílula que lhe
transformasse em ouvinte, você tomaria? Foi uma questão proposta pelo
jornal da universidade (Gallaudet) e a grande maioria dos estudantes
disse que não, temos orgulho de quem somos. Mas quem somos nós, eu
queria saber. Mesmo aqui onde ouvidos que ouvem são irrelevantes, me
senti deslocado. Para os estudantes surdos, eu era ouvinte, para as
pessoas que ouvem, eu era surdo.
http://cronicasdasurdez.com/trechos-do-livro-the-unheard-a-memoir-of-deafness-and-africa/?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+CronicasSurdez+%28Cr%C3%B4nicas+da+Surdez%29
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