Primeira paciente a receber implante coclear bilateral simultâneo no Rio Grande do Sul
Fonte: Zero Hora - reportagem de Larissa Roso
Em uma sala de espera do Hospital Santa
Clara, na Capital, a dona de casa Vera Lucia Ferreira de Lima, 40 anos,
deliciava-se com uma dúvida: que palavras gostaria que a filha ouvisse
ao abandonar a surdez total? Entre tantos apelidos
afetuosos, “amor”, “amor de mãe”, “coração” ou “tuti”? Primeira
paciente a receber um implante coclear bilateral simultâneo no Rio
Grande do Sul, Francielly, aos dois anos e meio, escutou a voz e o choro dos pais na quarta-feira pela manhã.
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Como funciona o implante coclear
Um mês depois da cirurgia que permitiu a colocação dos dispositivos eletrônicos a partir de incisões atrás das orelhas, a família de Uruguaiana voltou a Porto Alegre para a ativação do implante. A fonoaudióloga Márcia Kimura, vinda de São Paulo especialmente para esse procedimento, programou os eletrodos para funcionar, observada por uma atenta equipe do Ambulatório de Otorrinolaringologia. Recepcionou Francielly com um coala de pelúcia usando dois aparelhos auditivos.
Como funciona o implante coclear
Um mês depois da cirurgia que permitiu a colocação dos dispositivos eletrônicos a partir de incisões atrás das orelhas, a família de Uruguaiana voltou a Porto Alegre para a ativação do implante. A fonoaudióloga Márcia Kimura, vinda de São Paulo especialmente para esse procedimento, programou os eletrodos para funcionar, observada por uma atenta equipe do Ambulatório de Otorrinolaringologia. Recepcionou Francielly com um coala de pelúcia usando dois aparelhos auditivos.
— Que lindo o seu “papapá” novo. Você viu o “papapá” do coala? Igual
ao seu — comentou Márcia, batizando com uma alcunha mais simpática o
processador de som.
Há crianças que choram ou se inquietam quando o implante coclear é
acionado – para quem vive no silêncio completo, o contato inicial com os
sons pode parecer assustador. Ao ouvir os ruídos de teste emitidos por
um programa de computador, Francielly, que tem uma deficiência auditiva
profunda diagnosticada nos primeiros meses, levou a mão imediatamente ao
ouvido esquerdo. Logo cobriu o rosto com as duas mãos, a boca aberta em
um biquinho, como se demonstrasse o espanto provocado pela novidade.
— Está ouvindo? — perguntou o pai, o militar aposentado Nilton
Sertório Garcia Escobar, 59 anos, em lágrimas, segurando-a no colo.
Francielly apontava com o dedo o próprio ouvido
Márcia avisou que o microfone passaria a captar os sons do ambiente.
Olhou para Vera, sinalizando que chegava o momento que a mãe aguardara
em ansiosa expectativa.
— Oi, coração — saudou Vera, tirando fotos.
Francielly traduziu o estranhamento em tranquilidade. Apontava com o
dedo o próprio ouvido, depois o ouvido do pai, fazia “sim” movimentando a
cabeça, respirava fundo. Segundo a fonoaudióloga, mesmo se tornando
agora capaz de escutar, ela ainda não consegue fazer a associação entre
as palavras e os seus significados – terá que aprender, como qualquer
criança, a dar nome aos objetos e às pessoas que a cercam.
— Hoje ela nasceu auditivamente — definiu Márcia.
A primeira suspeita de comprometimento da audição surgiu no segundo
mês de vida. Vera preparava o almoço, e Francielly repousava no
bebê-conforto, a pouca distância. Num descuido, a mãe deixou a tampa de
uma panela de ferro cair no chão. Apesar do estrondo, a filha não
esboçou qualquer reação. Seguiram-se outros episódios que aumentaram a
desconfiança, como o dia em que a menina dormiu o tempo inteiro,
imperturbável, durante uma festa de aniversário que teve queima de fogos
de artifício.
Aos três meses, o teste da orelhinha, que deveria ter sido aplicado
imediatamente após o parto, indicou alterações, e exames subsequentes
comprovaram a surdez. Um dos ouvidos mantinha um resquício de audição,
capaz de registrar apenas barulhos em volume altíssimo. Vera diz que a
filha jamais atendeu a um chamado. Francielly chegou a usar um aparelho
externo, mas, com um ano de idade, a perda já era total.
— A perspectiva de a minha filha viver em silêncio a vida inteira era
terrível — conta Nilton, emocionado ao lembrar o dia em que ela, ao
final do culto na igreja que frequentam, dirigiu-se até um piano e
pressionou as teclas, produzindo um arremedo de canção que não conseguia
captar.
Próximo passo, aulas na Turminha do Pernalonga
Durante o período de avaliações médicas e
tentativas de obter a cobertura completa do plano de saúde para o
implante – dos R$ 177 mil totais, Nilton terá de arcar com R$ 35 mil,
parcelados em 10 anos –, a família adaptou a linguagem. O casal e os
filhos dos relacionamentos anteriores de ambos desenvolveram códigos
para integrar a caçula na rotina.
Há gestos para representar as atividades mais comuns: comer, beber
suco, tomar banho. Francielly aperfeiçoou a gramática doméstica, indo
além do be-a-bá dos sinais: mostra a palma da mão, pedindo que o
interlocutor aguarde, e manda beijos ao executar alguma traquinagem que
certamente receberá o olhar reprovador dos pais. Afeita ao convívio com
os demais, interagindo sem constrangimento por meio de balbucios,
Francielly sempre provoca a curiosidade dos adultos.
— Por que ela não fala? A minha filha fala de tudo — questionou uma
mãe na pracinha, certa vez, iniciando um diálogo que se repete em outras
ocasiões.
— Ela não escuta, mas ela vai escutar — respondeu Vera.
A dona de casa antecipa o próximo foco da curiosidade alheia: os
acessórios que compõem a parte externa do implante coclear, visíveis
sobre as orelhas e o couro cabeludo. Busca dicas de adaptação e até
alguns truques em fóruns de discussão na internet, mas garante não se
importar.
— Todo mundo fala e a sua filha não fala. Dói, né? Eu sei que a
deficiência nunca vai deixar de existir, mas ela vai ter uma chance —
comemorou a mãe.
Depois da regulagem, a família recebeu orientações sobre a manutenção
do aparelho, que será retirado na hora do banho e de deitar. A próxima
consulta deve ser realizada em até três meses.
— No início, orientava-se colocar o implante somente em um ouvido.
Nos últimos cinco anos, os estudos mostram que as crianças têm um
desenvolvimento muito melhor quando o implante é bilateral. Uma coisa é
enxergar com um olho, outra é enxergar com os dois olhos — comparou
Maurício Schreiner Miura, coordenador do Programa de Implante Coclear da
Santa Casa. — Foi um sucesso. Ela vai ter uma vida normal — acrescentou
o otorrinolaringologista que acompanha a paciente.
Antes de seguir para a rodoviária, onde o trio tomaria um ônibus para
as nove horas de viagem até a Fronteira Oeste, Vera listou os planos
mais imediatos para Francielly: o início das aulas na escola infantil
Turminha do Pernalonga, na segunda-feira, brincadeiras no pátio com os
cachorros Bidu e Lobo, sessões dos desenhos animados preferidos, com os
personagens Pica-pau e Bob Esponja. Logo mais, um curso de balé, para o
qual a malha rosa e a saia rodada já foram compradas – Francielly adora
dançar.
— Agora ela vai ouvir música e o som dos passarinhos — disse a mãe.
Fonte:
http://cronicasdasurdez.com/primeira-paciente-a-receber-implante-coclear-bilateral-simultaneo-no-rio-grande-do-sul/?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+CronicasSurdez+%28Cr%C3%B4nicas+da+Surdez%29
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