O bê-á-bá do português
sinalizado
É papel do professor dar condições para que os
alunos surdos assimilem o conteúdo da disciplina
Por Sibele Oliveira
Uma das grandes dificuldades enfrentadas por
brasileiros que vivem em um mundo de parcial ou total silêncio é incorporar
conhecimentos fornecidos por um sistema de ensino feito para ouvintes.
É um desafio que cresceu e apareceu à medida que
muitos pais e os próprios alunos têm preferido as salas de aula mistas às
especiais para surdos, movimento estimulado pela preconização à educação
inclusiva.
Essa escolha reforça a importância de se ter
educadores capacitados para o trato desses alunos, principalmente ao considerar
o total de pessoas com deficiência auditiva no País, uma soma que ultrapassa os
5 milhões, segundo o censo oficial de 2000. Romper a barreira do silêncio e
mergulhar no universo das letras é um caminho de duas vias, pois se o aluno só
consegue ser alfabetizado por meio da Língua Brasileira de Sinais (Libras),
esta precisa ser encarada como a primeira língua do surdo, e o português, a segunda.
Para um melhor aproveitamento escolar, o aprendizado bilíngue deve ocorrer
nesta ordem.
“É essencial que o mestre seja proficiente em
Libras”, Vanessa
Pires
Porém, de nada adianta o aluno ser fluente em
Libras se o professor desconhece a forma de comunicação. “É essencial que o
mestre seja proficiente em Libras. O Artigo 14 do Decreto 5626/2005 instrui que
as instituições educacionais devem promover cursos de formação de professores
para o ensino da língua portuguesa como segunda língua para pessoas surdas e
ofertar, obrigatoriamente, desde a educação infantil, o ensino de libras, assim
como da língua portuguesa, como segunda língua para alunos surdos”,
contextualiza Vanessa Pires, doutoranda em Linguística Aplicada pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), instituição que oferece
cursos de extensão a educadores interessados em aprimorar seus métodos de
ensino da língua portuguesa para surdos. Para a doutoranda, é imprescindível
que o aluno surdo, por sua vez, estude a estrutura gramatical da língua de
sinais, podendo individualmente traçar paralelos entre os idiomas, para que
haja uma maior compreensão gramatical do português.
Por outro lado, se o estudante não dominar a
Libras, terá dificuldades em reter o conhecimento. “Muitos professores ainda se
viram com aquelas dicas básicas de colocar o aluno na frente e falar mais
pausadamente, olhando para ele. Isso nem sempre funciona. Se o surdo não é
alfabetizado, não vai conseguir fazer uma leitura labial”, analisa Thaís
Santos, diretora do Colégio Integração Luz do Saber, que ministra aulas de
português e inglês aos educadores, incluindo técnicas de alfabetização e
métodos de adaptação dos conteúdos dos ensinos fundamental e médio.
Como ensinar o idioma aos surdos?
A resposta para esta pergunta está na exploração de
recursos brvisuais-espaciais, já que os alunos com deficiências auditivas
possuem uma memória visual bastante aguçada. “O estudo de idiomas é facilitado
tanto por atividades que envolvam o aprendizado indutivo ou pela descoberta das
regras subjacentes ao uso e à organização da linguagem, quanto por aquelas que
envolvam análise e reflexão sobre a linguagem. Nesse sentido, o papel do
professor é o de facilitador, criando um ambiente propício e oferecendo
oportunidades para os alunos praticarem a segunda língua”, esclarece Marli
Celaya, coordenadora do Instituto Santa Teresinha, que busca patrocínio para o
projeto de capacitar multiplicadores que possam ministrar cursos de português
para surdos em todo o País.
No entanto, a educadora aconselha que pelo menos o
período de alfabetização seja vivenciado em escolas especiais. “No caso dos
surdos pequenos, o ideal é inseri-los o mais cedo possível em um ambiente
linguístico adequado, onde a Libras faça parte do ambiente escolar. Essa
criança com certeza apresentará mais facilidade para aprender a escrever”.
Mas como muitos alunos são matriculados diretamente
em escolas de ensino regular sem dominar a língua de sinais, os professores
precisam conhecer bem seus históricos para descobrir de que forma preencher
essa lacuna. Algumas famílias optam por “oralizar” o surdo e inseri-lo em uma
escola regular, muitas vezes por falta de acesso a uma escola especial para
surdos. Há também alunos que adquirem a surdez no período pós-lingual, quando
já iniciados na língua portuguesa.
Nestas situações, o aluno deve ter acompanhamento
fonoaudiológico. Além de desenvolver sua oralidade e compreensão da língua
oral, também trabalhará com a questão escrita da língua portuguesa. “No caso de
surdos usuários de Libras, é importante que o ensino se concentre na modalidade
escrita da língua, por meio de atividades que desenvolvam a compreensão leitora
de todo o texto, e não apenas de vocábulos isolados”, salienta Vanessa, que
mantém o blog Vendo Vozes (www.vendovozes.com), destinado a divulgar cursos,
eventos e materiais relacionados à educação, cultura dos surdos e língua de
sinais.
Aulas versáteis e criativas
Há um estoque vasto de técnicas à disposição dos
professores para ensinar a língua portuguesa aos alunos com deficiência
auditiva. Como o surdo aprende o mundo de maneira visual, é a exploração de
recursos que passam pelo sentido da visão que consolida o aprendizado em todos
os estágios da sua vida escolar. No caso dos pequenos, da mesma forma que
acontece no ensino falado, a narração de fábulas e outras histórias infantis
cai facil22mente no gosto deles, mas o interesse e o entendimento das crianças
aumentam se o educador utilizar textos pertencentes à cultura dos surdos e
edições de livros bilíngues (Libras/Língua Portuguesa), cujas narrativas
configuram-se com as mãos, sendo complementadas por expressões faciais e
corporais.
MATERIAIS DE APOIO NA ALFABETIZAÇÃO
Fichário: caixas com figuras diversas, contendo os
respectivos nomes. É um método usado para apresentar palavras novas,
relacionar sinais feitos pelas crianças às imagens e palavras
correspondentes.
Dicionário bilíngue (Libras/Língua Portuguesa): importante tanto para os
professores elucidarem dúvidas a respeito dos sinais quanto para as crianças
pesquisarem palavras que ainda não conhecem.
Dicionário de configuração (mãos/português): criado por professores e
crianças ouvintes, conjuntamente. É elaborado a partir da primeira letra da
palavra e organizado em ordem alfabética para desenvolver autonomia nas
buscas e ampliar o vocabulário.
Caixa de gravuras: usada para guardar gravuras
visualmente atrativas e ricas em informações, com o intuito de desenvolver a
criatividade, explorar o pensamento e estimular a produção escrita.
Caixa de verbos: útil no trabalho de produção
textual, já que auxilia a criança a expressar com clareza o seu pensamento na
escrita. Pode ser usada em mímicas, competições e inspiração para textos.
Caixa de alfabeto Libras e português: confeccionada pelas crianças em
português e em forma de sinais. Ideal para montagem de palavras, bingos,
palavras cruzadas e outras brincadeiras.
Caixa com histórias em sequência: abriga contos em sequência de
cenas. Pode ser utilizada para montar minilivros, frases e textos.
Calendário: auxilia as crianças no desenvolvimento de noção
temporal.
Diário coletivo: recurso para incentivar as
crianças a expressarem suas reflexões e sentimentos, além de estimular a
produção escrita.
Cartaz de aniversário: fixado com a identificação dos
alunos, sinal e data correspondentes. Importante para desenvolver noção
temporal.
Mural Libras/português: produzido para expor fichas que
serão trocadas ao longo do ano. Tem como objetivo ajudar a fixar palavras ou
expressões em português.
Biblioteca: pode ser instalada em um canto da sala de aula,
para momentos de narração de histórias em língua de sinais e leitura
individualizada.
Fonte: Quadros, Ronice e Schmiedt, Magali. Ideias
para ensinar português para alunos surdos. Brasília: MEC, SEESP, 2006.
Disponível em: www.mec.gov.br
Atividades lúdicas também precisam estar imbricadas
no processo de letramento, como jogos de memória, quebra-cabeças, palavras
cruzadas, adivinhações, comparações e exploração de lugares. Em um clima de
descontração e brincadeiras, os jovenzinhos incorporam os primeiros registros,
começam a estruturar ideias e pensamentos por meio de uma língua e passam a interagir
com o mundo à sua volta.
Quando o aluno surdo está adaptado ao ambiente
misto com ouvintes e já compreende o português escrito, diferenças estruturais
entre as duas línguas ainda podem constituir barreiras ao aprendizado e, mais
uma vez, a criatividade é uma boa aliada para eliminá-las. As aulas podem ser
ilustradas com vídeos acompanhados de legendas, slides ilustrativos e até
encenações teatrais. O uso do dicionário bilíngue (Libras/Língua Portuguesa) é
uma ferramenta fundamental para que o estudante compreenda o significado das
palavras e aumente seu repertório vocabular.
“Textos
muito grandes são complicados para os surdos compreenderem. É preciso fazer um
resumo”, Soraya
Akiyama
Toda regra tem sua exceção
Mesmo com todos os materiais de apoio disponíveis,
algumas expressões incorporadas ao português falado, como os ditados populares,
não encontram tradução na língua de sinais, porque fogem do entendimento
concreto, assim como a conjugação de diferentes tipos verbais costuma provocar
dúvidas. Nesses casos, a recomendação é adaptar o conteúdo. “Textos muito
grandes ensinados nas aulas de literatura são complicados para os surdos
compreenderem. É preciso fazer um resumo do texto, usando uma linguagem mais
simples e depois introduzir palavras mais complexas, explicando seus
significados.
Usar trechos de filmes e outras imagens contribui
para situar o aluno”, comenta Soraya Akiyama Pinheiro, professora de português
e inglês do Colégio Integração Luz do Saber. Baseada em sua experiência, ela
aconselha aos professores tomarem cuidado com o significado de determinados
sinais. “Há alguns sinais que eles não gostam, pois aprendem com outro sentido,
como o sinal que representa a palavra errado. Eles o interpretam como se fossem
incapazes. É motivo de ofensa”, alerta.
O momento ideal para esclarecer as dúvidas dos
alunos surdos é quando os demais estão ocupados com os exercícios. Dessa forma,
não há o risco de despertar o ciúme dos colegas ou expô-lo a constrangimentos
por excesso de atenção. Para encerrar uma aula magistral, é essencial que o
guia estudantil transmita um ambiente de confiança e segurança, de modo que
seus pupilos sintam-se à vontade, em posição de igualdade com a turma.
Serviço
Colégio
Integração Luz do Saber
(11) 2831-5064 www.colegioluzdosaber.net
Instituto
Santa Teresinha
(11) 5587-5664 www.institutosantateresinha.org.br
Universidade
do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos)
(51) 3591 1122 www.unisinos.br |
http://revistasentidos.uol.com.br/inclusao-social/66/artigo235229-2.asp
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