Danielle Kiffer
Mediadores surdos realizam o trabalho educativo entre jovens com surdez no Museu da Vida da Fiocruz (Fotos: Divulgação) |
De acordo com dados do Censo Demográfico de 2010, do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de dois milhões de
pessoas no Brasil são portadoras de deficiência auditiva severa. Destas,
cerca de 400 mil apresentam surdez profunda, um grau alto de surdez, em
que não se ouve quase nada, nem com o uso de um aparelho auditivo. De
acordo com Vivian Rumjanek, Cientista do Nosso Estado da FAPERJ e
pesquisadora da área de imunologia e oncobiologia do Instituto de
Bioquímica Médica Leopoldo de Meis (IBqM), da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), por não terem acesso a nenhum som, pessoas
com esse tipo de surdez geralmente apresentam grande dificuldade com
a língua escrita, o que os põe à margem do processo educacional.
“O IBqM promove, há muitos anos, em seus laboratórios, cursos de
férias, com oficinas de biociências, voltadas para alunos do ensino
médio e fundamental. Depois de algum tempo, resolvi estender o programa a
jovens e adolescentes com surdez profunda. Foi quando me deparei com a
dificuldade que eles podem ter durante a aprendizagem e percebi que
muitas palavras do vocabulário científico e vocábulos mais específicos
não estavam presentes na Língua Brasileira de Sinais [Libras]”, explica
Vivian.
Foi com base nessa experiência que a pesquisadora, junto a uma equipe
de graduandos, mestrandos e doutorandos da universidade, começou a
desenvolver atividades para promover a inclusão desses jovens nas áreas
científica e tecnológica. Fundou, então, o Projeto Surdos, na UFRJ, que
conta com subsídios da FAPERJ em diversas de suas ações. O projeto A inclusão do surdo na sociedade atual através do conhecimento científico é uma delas, tendo sido contemplada pelo edital Apoio à Difusão e Popularização da Ciência e Tecnologia no Estado do Rio de Janeiro.
Os cursos para jovens surdos, realizados duas vezes por ano nos
laboratórios do IBqM ou em escolas públicas e museus, têm uma semana de
duração e são dirigidos para alunos, instrutores e professores do Instituto
Nacional de Educação de Surdos (Ines) e de outras instituições. Nesses
cursos, que contam com a presença de três intérpretes de Libras, as
aulas não são formais e os alunos participam ativamente, sugerindo as
perguntas que serão respondidas por meio de experimentos, por exemplo,
como abordar os temas apresentados, que podem ser um aprofundamento de
como ocorre a coagulação do sangue ou uma explicação sobre o que é a
hemofilia.
Aula em realizada no Museu Ciência e Vida, do Cecierj: objetivo do projeto é integrar o jovem surdo à ciência |
“Buscamos oferecer ao jovem surdo a possibilidade de integrar-se aos
avanços da ciência e da tecnologia, aprendendo conceitos científicos com
quem faz ciência, desenvolvendo o método e o pensamento científico em
vez de simplesmente receber informações”, diz a pesquisadora. Os alunos
que mais se destacam nos cursos de férias ganham estágios de seis meses,
que podem ser renovados por igual período de tempo. No entanto, muitos
ex-estagiários continuam frequentando o laboratório e se engajando em
atividades desenvolvidas no Laboratório Didático de Ciências para Surdos
(Ladics) do IBqM.
No escopo do projeto, também está incluída a criação, em Libras, de
um glossário científico e tecnológico. “Como qualquer língua é resultado
de um processo criativo em que a necessidade leva ao desenvolvimento de
novos termos, a exclusão dos surdos profundos do sistema de ciência e
tecnologia, que vem se desenvolvendo com extraordinária rapidez no País,
fez com que Libras ficasse deficitária na terminologia científica. Essa
atualização é primordial para que os estudantes surdos possam ser
incluídos no mercado de trabalho nessa área”, explica Vivian.
A cada novo curso envolvendo um tema diferente, novas demandas de
terminologia são observadas, a partir da necessidade de utilização
de termos para descrever aparelhos, fenômenos, órgãos, em atividades
científicas e tecnológicas. No decorrer desses cursos, a forma como os
alunos surdos captam, interpretam e passam a desenvolver e utilizar
novos sinais não existentes em Libras é percebida pelos monitores e
intérpretes. “Por exemplo, durante o curso de férias de 2006 surgiu um
novo sinal em Libras para significar radioatividade que foi rapidamente
aceito e absorvido pelos surdos, da mesma forma como foi criado um novo
sinal para definir uma centrífuga". Todas essas novas palavras na
linguagem de sinais são filmadas e catalogadas em DVDs e utilizadas nos
cursos seguintes. Os DVDs são distribuídos gratuitamente e podem ser
solicitados na página do grupo no facebook: www.facebook.com/ProjetoSurdos.
Integrantes do Projeto Surdos, da UFRJ, durante treinamento na Fiocruz para mediação em museus |
Além dessas atividades, o projeto também procura integrar esses
jovens ao mercado, formando mediadores surdos para museus de ciência e
tecnologia. Esse trabalho foi realizado em parceria com o Museu da
Vida, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e também com o Museu Ciência e
Vida, da Fundação Cecierj, em que dois mediadores surdos já foram
formados. "Além de integrá-los ainda mais às informações, o
projeto vai estimular a visita de pessoas com surdez a museus de
ciência", diz. "Em uma
reunião realizada pelo projeto na Casa da Ciência da UFRJ, em 2014,
envolvendo vários museus no Rio de Janeiro, foi possível verificar que
não há nessas instituições acessibilidade que promova a participação de
pessoas surdas. Muitos nos pediram sugestões de mudanças para melhorar
nesse aspecto" diz a pesquisadora.
A preocupação na inclusão, no entanto, não está somente restrita no
que tange à ciência e à tecnologia. Para que as pessoas surdas possam
ficar por dentro das principais notícias do Brasil e do mundo, foi
criada a página Surdonews, em que dois integrantes do projeto da UFRJ
interpretam e comentam os assuntos que tiveram maior destaque na
imprensa durante a semana, como foi o caso da questão da redução da
maioridade penal, por exemplo. A página (https://www.facebook.com/surdonews) está funcionando no Facebook desde fevereiro de 2014.
Em comemoração aos 10 anos do projeto Surdos da UFRJ acontecerá, entre os dias 3 e 5 de agosto, o simpósio Caminhos da Inclusão: Saberes Científicos e Tecnológicos. Sua Importância para o Desenvolvimento do Indivíduo Surdo. Mais informações no site: http://bit.ly/1C3egOD
http://www.faperj.br/?id=2967.2.8
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