Muitas pessoas vêm conversar comigo para contar que não têm coragem de falar abertamente sobre sua surdez no ambiente de trabalho. É uma questão delicada por três motivos principais:
1. Trabalho é trabalho – e paga as nossas contas!2. Existem vários tipos de chefes – e lidar com um chefe insensível à surdez é horrível!
3. Existem vários tipos de colega de trabalho – e passar 8 ou mais horas por dia rodeado por gente que te trata mal porque você não ouve é complicado.
Todo surdo tem alguma história para contar sobre isso, seja ela boa ou ruim.
Quase 15 anos depois, ainda lembro do dia em que fui apresentada aos
meus colegas de trabalho no meu primeiro emprego com a seguinte frase: “Essa é a deficiente!”.
Naquele momento isso me deixou magoadíssima, e até hoje ainda ensaio
mentalmente as respostas que daria se ouvisse outra vez algumas
barbaridades que me foram ditas. É importante que a gente
entenda a legislação, nossa deficiência e nossos direitos e deveres,
porque só assim saberemos distinguir um assédio moral de uma brincadeira
inocente.
Temos que ser razoáveis: um surdo querer trabalhar com telemarketing, por exemplo, possivelmente não vai dar certo. Tentar esconder uma deficiência no ambiente de trabalho é uma atitude insana. E os argumentos usados para defender esse comportamento, como “se souberem que não escuto bem vão me tratar diferente“,
são muito infantis. O que o mercado de trabalho precisa é de pessoas
que se assumam como são e se mostrem ótimos profissionais acima de
qualquer coisa. Passei 13 anos numa repartição pública e quando
saí de lá, saí com a certeza de que cada um dos meus colegas aprendeu
muito sobre surdez, sobre aparelhos auditivos e sobre como lidar com um
colega que não ouve ou ouve mal. Se eu tivesse passado todo
esse tempo tentando me passar por ouvinte ou agindo como alguém que
sente vergonha da deficiência auditiva não teria acrescentado nada de
bom nem à minha vida, nem às vidas deles. Quando compartilhamos nossas
diferenças e ensinamos as pessoas ao nosso redor a lidar com elas
estamos pavimentando o terreno do mercado de trabalho para as próximas
gerações – aliás, espero que na época dos meus netos não existam mais
cotas e todos sejam contratados apesar de terem uma deficiência, e não
por terem-na.
Lembro do caso de um surdo que passou
num concurso e estava em estágio probatório de 3 anos. Toda vez que ele
era solicitado para cumprir alguma tarefa chata ou cansativa, dizia “Não dá, sou surdo!”
O resultado foi a demissão por inaptidão, lógico, e mais do que
merecida. Se fazer de coitadinho usando a própria deficiência como
justificativa é uma das piores coisas que uma pessoa pode fazer – no
caso da deficiência auditiva é ainda mais grave, pois ela só nos impede
de atos como atender o telefone ou entender o que várias pessoas falam
ao mesmo tempo.
Conheço surdos oralizados nos mais
variados cargos, das mais variadas complexidades. Alguns, em cargos de
diretoria, não gostam que os colegas saibam que usam aparelhos auditivos.
Quando penso nisso fico aguardando ansiosamente o dia em que um grande
executivo usuário de AASI vire um exemplo para muitos outros ao tratar
da deficiência auditiva com naturalidade.
Vejam só como as coisas podem mudar de
uma hora para a outra, e vou me usar de exemplo para isso. Até 2013,
participar de reuniões era uma das coisas mais detestáveis que podiam me
chamar para fazer. Em 2015, entrego meu Mini Mic para
quem estiver comandando a reunião e vou conseguir ouvir melhor do que
todos os ouvintes da sala tudo o que essa pessoa estiver dizendo. Até
2013 eu era incapaz de atender um telefone, em 2015 não só atendo como
tenho o ‘superpoder’ de cancelar todos os outros sons do mundo e ouvir
apenas a pessoa do outro lado da linha. A lição que fica é: use a tecnologia a seu favor SEMPRE que for possível.
Hoje pela manhã fui ao HortiFruti
comprar um suco e um moço estava repondo os limões. Uma moça o cutucou e
perguntou onde ficavam as laranjas e ele olhou para ela, fez o sinal de
surdez e disse “Não sei, não entendo, sou surdo“. Saí de lá querendo arrancar os cabelos, mas isso é assunto para outro post.
Falar sobre a surdez no trabalho é fundamental.
Primeiro, porque seu chefe e seus colegas precisam entender as suas
necessidades e aquilo que não é justo nem natural que seja pedido a você
– já recebi dezenas de emails de surdos pedindo socorro pois tinham que
usar o telefone durante o trabalho e aquilo era pior que tortura.
Segundo porque ser diferente enriquece muito o ambiente – até mesmo os
filhos dos meus colegas aprenderam sobre surdez, AASI, IC e etc por
ouvirem os pais contando sobre a convivência comigo.
Quando você estiver numa função
cujas tarefas estejam se tornando incompatíveis com sua surdez, abra o
jogo e converse com seu chefe sobre isso. Anos atrás precisei
pedir encarecidamente a uma chefe que me tirasse do atendimento ao
público pois eu chegava em casa vesga e tonta todos os dias após
incessantes horas de leitura labial power. Ela teve bom senso suficiente para acatar o meu pedido e o problema foi resolvido.
Por último, seria bacana se vocês compartilhassem suas histórias e vivências sobre isso nos comentários! http://cronicasdasurdez.com/a-surdez-no-trabalho/?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+CronicasSurdez+%28Cr%C3%B4nicas+da+Surdez%29
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