RYBENINHA
DÊ-ME TUA MÃO QUE TE DIREI QUEM ÉS
“Em minha silenciosa escuridão,
Mais claro que o ofuscante sol,
Está tudo que desejarias ocultar de mim.
Mais que palavras,
Tuas mãos me contam tudo que recusavas dizer.
Frementes de ansiedade ou trêmulas de fúria,
Verdadeira amizade ou mentira,
Tudo se revela ao toque de uma mão:
Quem é estranho,
Quem é amigo...
Tudo vejo em minha silenciosa escuridão.
Dê-me tua mão que te direi quem és."
Natacha (vide documentário Borboletas de Zagorski)
SINAL DE "Libras"
quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
Escrita dos Surdos
Dra. Marianne Rossi Stumpf
Professora de Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC
Coordenadora da Equipe de Design Instrucional
do Curso de Letras/Libras.
Diretora de Políticas Educacionais de FENEIS.
marianne@ead.ufsc.br
A partir da promulgação da lei de Libras e com maior definição da regulamentação da mesma, o Ministério da Educação propõe políticas públicas para implementação de condutas coerentes com o espírito da Lei, a serem desenvolvidas pelos executores das ações educativas tanto nos espaços públicos como privados.
O reconhecimento oficial da Libras no sistema educativo coloca a necessidade de desenvolver um marco formal para o ensino dessa língua: programa, pedagogia, avaliação. Coloca também um não menos importante debate em torno de propostas para ensinar aos surdos o português como segunda língua, em sua forma escrita. Como instrumento simbólico, a escrita de sinais pode ser o suporte fundamental que está faltando aos surdos para tornar sua educação um processo racional e efetivo.
O objeto deste artigo é discutir a escrita da língua de sinais com base em minha tese de doutorado sobre a aquisição da escrita de língua de sinais por crianças surdas. Minha pesquisa de campo permitiu-me documentar diferentes experiências que me forneceram dados para análise, foram elas:
1) Experiência de ensino de ELS para crianças surdas numa escola brasileira introduzindo o sistema de escrita para línguas de sinais SignWriting e usando software de apoio.
2) Experiência de ensino de ELS para crianças e jovens surdos em três escolas na França, integradas ao projeto LS-Script que está se desenrolando naquele país com o objetivo de dotar as escolas, que adotaram o ensino bilíngüe, já há vinte anos, de um sistema de escrita para a Língua de Sinais Francesa – LSF.
Anterior ao início do projeto, lingüistas francesas entrevistaram 31 surdos adultos perguntando o que eles pensavam sobre uma escrita da língua de sinais (ELS). Configuraram dois grupos de surdos, um a favor da ELS e outro contra a ELS. Eles explicaram porque são a favor ou contra.
Argumentos a favor:
ELS aumenta o status social da língua de sinais quando mostra que temos uma escrita própria do surdo.
A ELS possibilita reconhecer a língua de sinais
ELS pode ajudar na hora de filmar e depois gravar os sinais
ELS pode ser colocada no papel, pode-se ler e escrever os sinais
ELS pode mostrar vários signos dialetos, por exemplo, um sinal de Toulouse que é diferente em Paris e enriquece a língua saber os diferentes signos
Escrita da língua oral para o surdo é pobre e a ELS é uma escrita que pode mostrar a fluência da LS.
ELS é mais fácil de usar do que fita de vídeo porque elas são muito volumosas e demandam equipamento.
Argumentos contra:
No ambiente social não tem ELS, na rua e etc.
É usada só no mundo pequeno dos surdos
Hoje há novas tecnologias de comunicação e não precisa mais da escrita da LS.
É muito trabalho para aprender
É muito importante para os surdos saber bem o francês.
Pensam que a ELS não é igual ao que o surdo sinaliza e existe limite para escrever os sinais.
As trocas simbólicas se constituem no elemento imprescindível para o desenvolvimento da representação por permitirem ao sujeito a interação afetiva com o meio. Não é a falta da língua em si que produz atraso cognitivo no surdo mas à limitação em realizar trocas simbólicas com seu meio, provocado pela falta de um instrumento simbólico e de um ambiente adequado capaz de solicitá-lo e de exercitar sua capacidade representativa.
A limitação na aquisição da língua oral, mesmo na sua representação escrita constitui uma barreira a todas as aprendizagens escolares, fato exaustivamente relatado pelos professores de surdos.
Não é diferente a interpretação de Piaget (1970) que na obra O Nascimento da Inteligência na Criança, pela análise de várias condutas representativas, sugere a existência de elementos comuns entre elas e denomina esse mecanismo função semiótica, que é comum a todas elas. A interação entre as diversas condutas representativas como desenho, escrita e língua oral evidencia-se nas transformações que ocorrem, ao mesmo tempo, em cada uma dessas representações e isso acontece porque todas são processos do mesmo sujeito.
Esse sujeito piagetiano que constrói o conhecimento por meio de suas interações com o objeto e ao mesmo tempo constrói-se como sujeito numa interdependência contínua entre a experiência e a razão. Pode-se aprofundar mais essa relação entre os processos de apropriação da ELS com o processo de aquisição da escrita da língua oral das crianças surdas.
As experiências nas escolas realizadas para aquisição do SignWriting, que realizei, parecem guardar relação com as grandes etapas da alfabetização em língua oral das crianças ouvintes, propostas por Ferreiro que se fundamenta na teoria de Piaget. Acrescenta, a meu juízo, dois componentes fundamentais ao processo de alfabetização que, habitualmente não se evidenciam, quando a alfabetização em língua oral é desenvolvida com as crianças surdas:
1 – O aspecto afetivo: a criança surda quando se depara com a aprendizagem do SignWriting sente-se gratificada, sente-se feliz. O reconhecimento de que sua língua de sinais também é importante, também pode ser escrita, a relação que se estabelece entre os colegas para cooperar e trocar conhecimentos, as produções animadas, o poder contar em casa que são possuidores de um conhecimento reconhecido pela escola, são fatores entre outros, de apropriação de um sentimento de auto-estima, do qual elas muitas vezes carecem e de empenho em aprender.
2 – O aspecto de evolução na aprendizagem: a rapidez com que elas conseguem adquirir o sistema, começam a ampliar seu sinalário e a construir mensagens faz com que se sintam estimuladas a avançar. As dificuldades que encontram são dificuldades possíveis de serem superadas, ao contrário das encontradas na escrita da língua oral, que ensinada aos surdos, com os mesmos métodos que aos ouvintes, não respeita o raciocínio nem a lógica da criança surda.
Resultado da observação da participação dos alunos nas aulas de escrita de língua de sinais pelo sistema SignWriting
O processo de alfabetização em SignWriting e a evolução para o letramento, na minha percepção, mostrou-se funcional nas situações de aprendizagem ocorridas durante as interações realizadas com as crianças da Escola de Ensino Fundamental Frei Pacífico, aqui no Brasil e também nas experiências de que participei na França. Apareceram diferenças individuais, no ritmo da aprendizagem, na memorização dos conteúdos, no interesse por aprender, mas nenhum aluno deixou de participar por não conseguir, ou de ir avançando em suas aquisições.
Se há alguma dificuldade de representação no sistema, a ser estudada, não apareceu nas atividades com as crianças. Há que considerar que as interações em língua de sinais das crianças da Escola de Ensino Fundamental Frei Pacífico ficaram em um nível de pouca complexidade, considerando que usam a Libras há muito pouco tempo e as aulas da língua acontecem só uma vez por semana. Como é natural, o conhecimento elementar da Língua condiciona também as atividades da escrita.
Em Toulouse, tivemos aproximadamente menos horas aula com cada turma, mesmo assim conseguiram obter uma boa compreensão do sistema. Os maiores poderão continuar a aquisição do SignWriting sozinhos, se desejarem.
Foi também proveitosa e interessante uma experiência realizada com os familiares das crianças na Escola de Ensino Fundamental Frei Pacífico. Os pais passaram a valorizar mais a Libras e a reforçar as aprendizagens da língua e a comunicação em sinais com seus filhos. A proposta de minhas intervenções previstas no Projeto LS-Script foi a de sensibilizar os diversos grupos da escola primária (educação infantil) para a possibilidade de uma ELS e de iniciar a aquisição do sistema até onde fosse possível. Aos professores seria ministrado um curso para aprender o sistema e depois poderem dar continuidade ao processo, junto aos alunos.
Aconteceu que o apelo da inovação, que constitui essa aprendizagem mobilizou outros grupos para o contato com o SignWriting, como foi o caso dos alunos do Colégio Malraux (ensino fundamental), da associação para uma educação bilíngüe de Poitiers, do grupo da associação de surdos de Toulouse .
A aprendizagem da ELS pelo sistema SignWriting evidenciou que não é muito diferente da aprendizagem da escrita das línguas orais e uma etapa de sensibilização à sua escrita, idealmente, deveria se equiparar com a das crianças ouvintes que, antes de começarem sua alfabetização, já tiveram inúmeros contatos com a escrita da língua oral em todo seu entorno.
A turma de CM1 corresponde a qual segunda série no Brasil gostava muito das aulas de SignWriting e mostrou mais interesse do que as turmas de alunos mais novos. O tempo reduzido prejudica as interações com crianças, quanto mais jovens as turmas, mais necessidade de tornar as aprendizagens uma brincadeira.
A ação interessada se manifestou principalmente na manipulação dos jogos e materiais, corrigir colegas que estão escrevendo no quadro, chamar o professor para perguntar, trazer e caprichar no caderno.
Os jogos didáticos surgiram como recursos importantes para a aprendizagem da leitura e da escrita, desenvolvem também as atitudes de comportamento, convivência, organização e participação. As crianças gostaram muito de jogar.
Quando do término do curso de formação, para as professoras, elas manifestaram a intenção de organizar o currículo para poder trabalhar o SignWriting com os alunos. Elas passaram a acreditar que os alunos vão aprender melhor o francês se entenderem como é a estrutura da língua de sinais e souberem como a escrever.
Ilustro com alguns fragmentos da pesquisa de campo essas considerações:
As aulas seguintes com os pais começaram com as tentativas de lerem o texto em SignWriting e perguntarem suas dúvidas. Depois, aprenderam a escrever os sinais escritos construindo frases. Tivemos aproximadamente vinte horas aula e eles conseguiram obter uma boa compreensão do sistema. Podem continuar sozinhos se desejarem. A possibilidade de acesso e interação com os pais e colegas, assegura resultados significativos de aprendizagem, também para as crianças, pois cria um ambiente envolvido com o mesmo interesse. Fizeram alguns trabalhos em grupo, ou individuais, para construir o dicionário, poesia e historinhas.
Querem mais jogos, avisei que vamos deixar para outro dia.
Escrevi só a primeira posição de símbolo de configuração da mão e eles continuaram escrevendo as posições de símbolos das configurações das mãos até completar todas. Percebi que eles estão adquirindo as posições de símbolos, pois escreveram rápidos. O grupo quatro é mais fácil do que grupo três, pois são de sinais mais usados.
Depois escreveram os sinais de seus nomes, mostravam com o alfabeto manual e SignWriting no quadro-negro. Alguns olhavam o cartaz com o alfabeto manual e a correspondência em SignWriting. A professora surda ficou admirada de como eles aprenderam com rapidez.
Fui à sala de aula da professora surda onde estão as crianças, elas me olharam e ficaram felizes porque voltei a trabalhar com elas e perguntaram por que estava demorando a voltar.
Comecei a trabalhar pergunta e resposta escrevendo uma frase em SignWriting da LSF no quadro “qual cor gosta?”. Eles lêem juntos, não conhecem o sinal escrito de gostar então mostrei para eles o sinal de gostar, logo associaram ao sinal escrito e repetiram a leitura da frase que entenderam completamente.
Sentamos a mesa e eles abriram os cadernos para construirmos os sinais escritos de cada um. Uma aluna opina que é fácil, outro aluno diz que pode ser fácil ou difícil, depende do sinal escrito. Pedi que tentassem primeiro nos cadernos para depois irmos ao quadro e finalmente cada um colocaria o seu sinal escrito em uma folha branca para pendurar. Trabalhamos assim até que todos colocaram a folha com seu nome pendurada no armário. Foi muito alegre porque faziam brincadeiras uns com os outros sobre como escrever seus nomes.
Distribuí a história do cavalo, que não está completa. Nós lemos juntos os sinais e eles queriam escrever a historia completa. A menina estava cansada, e escreveu um final bem simples. O outro aluno que estava animado com a história do cavalo escreveu o final da história muito bem, perguntando como escrever alguns símbolos de movimentos.
FIGURA 1: O ALUNO ESCREVEU A HISTÓRIA DO CAVALO.
Uma aluna fez uma pasta para colocar histórias em SignWriting da LSF, para estudar, ela me mostrou a pasta, feliz.
Gostam muito de ler textos em SignWriting e de ler quando escrevo no quadro. Querem continuar a ler textos.
Sobre se a escrita do SignWriting da LSF ajuda a desenvolver a LSF, responderam que sim, amplia os conhecimentos das configurações das mãos. Quando vêem um símbolo passam a refletir sobre qual o sinal que corresponde ao símbolo prestam atenção nos diferentes símbolos. Elas aprenderam a língua francesa e as regras de estrutura, logo que começaram aprender a ELS perceberam que não sabiam que a LSF também tem regras de estrutura. Também perceberam que a escrita ajuda muito a identificar o espaço certo onde sinalizar que antes não percebiam.
Experimentos realizados nas aulas de informática com o sistema de escrita de língua de sinais SignWriting e o uso de softwares educacionais
A informática, por meio de softwares educativos específicos, pode dar às crianças surdas em sua aprendizagem do sistema SignWriting uma ajuda importante além de fornecer motivação para uma desenvolver uma cultura da informática e tornar acessível ferramentas disponíveis em SignWriting. As ferramentas para produção escrita construída com as novas tecnologias que usam os softwares educacionais de SignWriting vão aumentar muito nossas possibilidades de comunicação pois que colocam a cultura própria do surdo como foco de atenção.
O SW-Edit pode ser descrito como uma interface projetada para pessoas surdas visando à edição de textos por meio do sistema de ELS denominado SignWriting. Possui outras funcionalidades como:
- Inclusão de textos escritos em português
- Inserção de figuras e imagens
- Base de dados expansível
- Possibilidade de fazer traduções
- Dicionário de sinais
Neste sentido, o SW-Edit foi concebido para auxiliar o usuário surdo na criação de textos em língua de sinais, baseado no sistema de representação de sinais SignWriting. O sistema consiste de um editor, chamado SW-Edit, para criação dos textos propriamente ditos, e da ferramenta AlfaEdit, que auxilia na atualização dos conjuntos de símbolos utilizados no editor. Ambos foram desenvolvidos especialmente para os surdos, com interfaces que exploram a capacidade de interpretação visual dos surdos, através da utilização de figuras onde normalmente seriam utilizados textos.
A escrita precisa ser uma atividade significativa para a criança isso acontece quando as crianças podem escrever baseadas em sua compreensão da língua de sinais, não necessitando da intermediação da língua oral. Observamos também, que no ambiente de uma classe de surdos, onde o professor e os colegas se comunicam em língua de sinais, elas efetivamente tentam escrever os sinais quando estimuladas a isso.
O SignWriting é para a criança surda “visualmente fonético” ou uma escrita visual em perfeito acordo com as suas potencialidades. De modo semelhante à criança ouvinte, a criança surda adquire a escrita de sua língua de sinais e isso significa dotá-la de uma ferramenta indispensável para qualificar seu grau de participação na cultura e na sociedade. A população surda, hoje é marginalizada, pois em sua quase totalidade, funcionalmente analfabeta, em uma sociedade cada vez mais dependente da palavra escrita.
O sistema de representação SignWriting apenas começa a ser usado pela população surda e seu uso precisa ser acompanhado por pesquisas de lingüistas, que possam observar e procurar soluções cada vez mais econômicas para sua utilização e também, por estudiosos de pedagogia e informática, pois sua vocação é ser uma ferramenta acessível ao surdo em sua relação com o computador, que terá também o poder de instrumentalizar sua interação com os ouvintes, pela possibilidade da tradução eletrônica para a língua oral.
O uso do recurso computador traz a possibilidade às pessoas surdas de uma alternativa de comunicação e incorpora novas tecnologias ao processo de aprendizagem das crianças. A utilização de um editor de textos como o SignWriter ou o SW-Edit nas aulas para introdução às TI traz a essas aulas maior interesse do que quando usamos o editor de textos em português. Também as produções das crianças são mais sofisticadas. Essas ferramentas, no entanto, têm limitações que podem ser ultrapassadas, pois a evolução da informática possibilita esse salto de qualidade.
Levantamos a hipótese de que se todo o ambiente escolar (e possivelmente familiar) estiver cheio de textos em língua de sinais, as crianças aprendem a escrever sua língua assim como o fazem as crianças ouvintes com sua língua oral. Essa hipótese se evidenciou pela observação de que muitos signos e frases em SignWriting que as crianças escreveram não foram sugeridos pela pesquisadora.
Quanto a funcionalidade do sistema SignWriting os símbolos de movimentos são naturalmente complexos porque precisam registrar as inúmeras mudanças que acontecem com as diversas partes do corpo durante a emissão de um sinal e constituem a maior dificuldade de aprendizagem para os iniciantes. Alguns sinais escritos precisam do uso de muitos símbolos, para representar um sinal, que é produzido em apenas um instante pelo sinalizador.
São desafios para os quais precisamos pesquisar soluções práticas que demandam estudos aprofundados, por uma equipe multidisciplinar, que poderá encontrar formas mais simples e eficientes de representar esses casos pontuais. Carecem de propostas específicas principalmente as representações de sinais que se propõe a escrever sinais escritos com a grande iconicidade e tem nas múltiplas sinalizações simultâneas, em um mesmo espaço, sua característica.
São pesquisas que precisam ser realizadas por cada língua de sinais que possui suas determinações singularidades e diferenças quanto ao uso da iconicidade. Para os americanos, isso não parece ser problema, já que sua língua descartou grande parte da iconicidade de seu sinalário. Para os lingüistas franceses, se apresenta como um obstáculo maior face a iconicidade muito presente na LSF. É necessário observar, nesse sentido, que novas tecnologias como, por exemplo, o telefone celular para comunicação entre usuários das línguas de sinais poderão impor constrangimentos à sinalização. No caso, o espaço sendo pequeno, os sinais precisam ser emitidos respeitando esse espaço, isso irá diminuir a grande iconicidade, e terá também outras possíveis conseqüências, podendo por exemplo, chegar ao extremo de ser necessário emitir o sinal com uma única mão enquanto a outra segura o celular.
Até que ponto a máquina se adapta ao homem ou o homem se adapta à máquina é uma questão que também no caso das línguas de sinais se torna atual. A questão da grande iconicidade, no entanto, não se apresentou como limitadora das práticas escolares que realizamos, mesmo nas escolas francesas, sendo que, especialmente no Colégio André Malraux, onde as crianças são maiores, a LSF é praticada em um nível de bastante sofisticação, pois elas recebem aulas de LSF desde que iniciam sua escolaridade, na mesma freqüência das aulas de francês escrito, usando de recursos muito elaborados.
As novas tecnologias associadas ao computador trazem vantagens para os surdos, pois são de caráter predominantemente visual e a ELS pelo sistema SignWriting abre um campo de pesquisa e atuação que os coloca em um patamar mais elevado de construção de interações dentro da própria comunidade surda e com a comunidade ouvinte.
As novas tecnologias estão revolucionando rapidamente todos os processos comunicativos. Para os surdos urbanos escolarizados elas têm significado maior independência e participação em todos os campos da atividade humana. Essa participação, no entanto, está limitada à sua baixa taxa de escolarização e compreensão da leitura e escrita.
Acrescento, que acredito que as tecnologias de informática vão utilizar e fazer evoluir o sistema SignWriting, tornando mais fácil ler e escrever para os surdos e, no futuro próximo, poderá haver tradução para as línguas orais, esse tipo de programa já está em processo de construção.
Outro desafio é o de como a escola de surdos vai garantir ao aluno surdo o seu processo de alfabetização na ELS o que nos remete à construção de propostas curriculares que sejam realmente bilíngües. Essa construção é possível. Necessita, no entanto, de articular os campos de saber em torno da escrita de língua de sinais pelo sistema SignWriting, e das pesquisas na informática para possibilitar com esse novos conhecimentos ressignificar as posturas práticas e teóricas adotadas na educação dos surdos.
Como ator da comunidade surda preocupa o contexto social fortemente desigual que sofrem os surdos particularmente para o acesso a informática, a formação e a cultura principais fatores de cidadania e integração no seio da sociedade.
Questões relativas aos suportes pedagógicos, à tomada de notas, à memorização, à avaliação, trazem para o primeiro plano a problemática de uma forma escrita para as línguas de sinais.
A Feneis18 foi, no Brasil, quem primeiro lançou o projeto de um ensino formal da Libras, criando seus cursos com o suporte dos livros organizados por uma equipe coordenada pela lingüista Dra. Tanya Amara Felipe: Libras em contexto, ela, uma voluntária da Feneis, encontrou dentro do MEC o apoio esclarecido da educadora Marlene Gotti. Se as interações em língua de sinais, suportadas pela forma manuscrita e pelas ferramentas computacionais de SignWriting, podem contribuir para a compreensão dos conteúdos escolares, para a elevação da auto-estima das crianças e também para a evolução e padronização da língua é o interrogante, que hoje como diretora da políticas educacionais da Feneis, e na ocasião do início da pesquisa, militante da mesma Federação, me coloquei como objeto da pesquisa.
Como as crianças e jovens surdos se apropriam dessa escrita? Os relatos aqui apresentados permitem vislumbrar essa possibilidade, em uma prática escolar, da qual minha observação mais consistente foi a de que ela é bem-vinda pelos estudantes surdos.
As crianças surdas, usuárias das LS, podem evoluir da aquisição para o letramento pelo uso do sistema SignWriting? As experimentações foram limitadas, não permitem afirmar, mas também nada indicou a inviabilidade dessa suposição. A espontaneidade que muitas vezes manifestaram em sua escrita é um dado significativo.
Podem as crianças surdas adquirir a ELS da mesma forma que as crianças ouvintes adquirem a escrita das línguas orais? Aqui as indagações são as mais numerosas e as indicações a trabalhos futuros são inúmeras: modalidades de apropriação; ritmo; dificuldades; ordem de aprendizagem dos símbolos; tempo dessas aprendizagens; dissociar reconhecimento da capacidade de utilização; competências prévias a aquisição; locações dos símbolos; escrita horizontal ou vertical; escolha entre várias formas de escrever os signos; invenção de signos; como as crianças lêem sinalizando, ou não; quais as maiores dificuldades – de que natureza e outras.
Quanto às relações entre o português escrito e o SignWriting, uma abordagem científica implicaria a comparação de dois grupos: um adquirindo só o português escrito, outro, os dois sistemas. Aqui também, pesquisas bem focadas poderão apontar resultados e encontrar outras formas de avaliar essas relações de grande importância para nossa educação.
A implementação de ferramentas de informática para atender as necessidades das pessoas surdas coloca em primeiro lugar um indispensável agrupamento de competências. A grande especificidade desses estudos confronta essas pesquisas com a necessidade de participação de pesquisadores das ciências humanas e pesquisadores em informática junto a membros da comunidade surda conhecedores de sua língua e de sua cultura.
No caso das pesquisas aplicadas ao uso do SignWriting, utentes da Libras e usuários potenciais desse formalismo gráfico, devem estar presentes ao longo da realização dos programas: primeiro na avaliação das necessidades e práticas das crianças surdas, depois nas fases de realização observando nas aulas as modalidades de apropriação do SignWriting e logo, em grupos de trabalho com os adultos surdos, principalmente professores, com quem serão discutidas as propostas observando a experimentação das ferramentas educativas elaboradas pelos pesquisadores de informática na educação e lingüística.
O concurso de locutores surdos experimentados na LS será indispensável nas pesquisas de representação do espaço-tempo e das mímicas faciais.
Embora o sistema SignWriting, tenha sido criado há mais de 30 anos, apenas começa a ser aplicado à educação dos surdos nas escolas, e isso acontece em alguns países identificados com os princípios da moderna neurolingüística que preconiza a absoluta necessidade de a educação dos surdos ser desenvolvida em sua própria língua.
Ficam interrogações à comunidade de pesquisadores preocupados com a educação dos surdos das áreas da educação, da informática e da lingüística a responder inúmeras questões, inclusive à de se a compreensão do processo de aquisição da ELS poderá ajudar a construir metodologias mais adequadas para o surdo aprender a língua portuguesa em sua forma escrita.
Bibliografia:
BOUTORA, Leila. Étude des systèmes d´écriture des langues vocales et des langues signées. Paris: Mémoire de D.E.A. des Sciences du Langage – Université Paris VIII, 2003.
FERREIRO, Emilia e Ana Teberosky. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes
Médicas Sul, 1999.
PIAGET, Jean. O Nascimento da inteligência na criança. Editora Zahar, Rio de Janeiro,
1970.
STUMPF, Marianne Rossi. Aprendizagem de Escrita de Língua de Sinais pelo sistema
SignWriting: Línguas de Sinais no papel e no computador. – Porto Alegre: UFRGS,
CINTED, PGIE, 2005.
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