RYBENINHA

RYBENINHA
SINAL: BEM -VINDOS

DÊ-ME TUA MÃO QUE TE DIREI QUEM ÉS



“Em minha silenciosa escuridão,
Mais claro que o ofuscante sol,
Está tudo que desejarias ocultar de mim.
Mais que palavras,
Tuas mãos me contam tudo que recusavas dizer.
Frementes de ansiedade ou trêmulas de fúria,
Verdadeira amizade ou mentira,
Tudo se revela ao toque de uma mão:
Quem é estranho,
Quem é amigo...
Tudo vejo em minha silenciosa escuridão.
Dê-me tua mão que te direi quem és."


Natacha (vide documentário Borboletas de Zagorski)


SINAL DE "Libras"

SINAL DE "Libras"
"VOCÊ PRECISA SER PARTICIPANTE DESTE MUNDO ONDE MÃOS FALAM E OLHOS ESCUTAM, ONDE O CORPO DÁ A NOTA E O RÍTMO. É UM MUNDO ESPECIAL PARA PESSOAS ESPECIAIS..."

LIBRAS

LIBRAS

LIBRAS

LIBRAS
"Se o lugar não está pronto para receber todas as pessoas, então o lugar é deficiente" - Thaís Frota

LIBRAS

LIBRAS
Aprender Libras é respirar a vida por outros ângulos, na voz do silêncio, no turbilhão das águas, no brilho do olhar. Aprender Libras é aprender a falar de longe ou tão de perto que apenas o toque resolve todas as aflições do viver, diante de todos os desafios audíveis. Nem tão poético, nem tão fulgaz.... apenas um Ser livre de preconceitos e voluntário da harmonia do bem viver.” Luiz Albérico B. Falcão

QUANDO EU ACEITO A LÍNGUA DE SINAIS

QUANDO EU ACEITO A LÍNGUA DE SINAIS
“ A língua de sinais anula a deficiência e permite que os sujeitos surdos constituam, então, uma comunidade linguística minoritária diferente e não um desvio da normalidade”. Skliar

domingo, 26 de junho de 2016

A saga de um surdo que não é mudo

A saga de um surdo que não é mudo

14/06/2016
saga-surdo-não-é-mudo
‘Estamos numa aula de inglês em curso patrocinado pela antiga Companhia Vale do Rio Doce, idos de 1975, na Avenida Getúlio Vargas, em Belo Horizonte. Trata-se de um etapa necessária ao trabalho funcional no Departamento de Comunicação Social. A professora Laura me pede para ler um texto de duas linhas na língua anglo-saxônica e me esbarro no pronome “she” (ela), que pronuncio como se fosse “si” e o certo é “xi”. Laura dá um berro e diz “é xixi, burro!”  Nada mais a fazer, saio de fininho da sala e vou, embalado, a pé, pela Avenida Afonso Pena acima, em direção ao bairro Anchieta. Lá toco a campainha em uma casa da Rua Odilon Braga. Porta aberta, me recebe, já noite, o Tio Godofredo.
Depois de recebido, um copo de água oferecido pela Tia Santa Nícia, isolamo-nos numa sala. Ele me prega, carinhosamente mas com firmeza, o sermão de que mais precisei naquele instante, depois do “burro” cruel e indispensável da professora do Number One. Obriga-me a pernoitar em sua casa, levantamo-nos cedo no dia seguinte e partimos para o otorrino Airton Rosemberg, que me crava outro sermão: “Você é o maior surdo que já entrou aqui na minha sala! Faz curso superior? Tenta aprender inglês? Ah, você é um herói também! Como falar se não ouve?” E pronto, em uma semana já estava com dois aparelhos auditivos embutidos numa haste de óculos. E concluí o curso de inglês com os abraços, desculpas e lágrimas da professora Laura não sei de quê.
A partir daquela época, comecei a recordar os meus anteriores anos de vida. Em criança, adolescente e jovem não aceitava que me taxassem de surdo de jeito nenhum. Inventava mil desculpas — “concentrado noutro problema”, “distraído”, “desleixado”, “desmazelado” etc. — tudo de ruim, menos surdo. Quase todas as minhas brigas na escola, em idades diferentes, eram pelo motivo mais besta do mundo: uma resposta aos que me qualificavam de portador de mouquice. Certa vez, um colega me chamou de “Tiú”. Arrasou-me de vez. Mais tarde, li aquela história do Geraldo Sebastião Magela Dias, o humorista do “Ceguinho é a Mãe” e pensei que essa teria sido a melhor resposta — Tiú é a Mãe! — mas desconhecia a réplica do Ceguinho.
Houve outras passagens incríveis em minha vida, as quais tentei superar. Certa vez um padre de missões em minha terra, eu coroinha, com 9 anos de idade, me chamou de tolo aos berros, no altar, hora da missa, porque não lhe servia vinho em quantidade suficiente à sua gula. Saí da igreja aos prantos íntimos e engolidos, sem alguém perceber. Na escola, em todas as etapas, do primário ao superior, tornava-me vítima indefesa quando não dava para assentar-me na frente e ouvir de perto o professor. Na terceira série do Ginásio São Francisco, em Conceição do Mato Dentro, quase levei bomba com notas inconcebíveis para meus esforços. Na CVRD, em Itabira, já adulto, era caçoado por amigos de formas as mais humilhantes. Lembro-me de que um vendedor de roupas me procurou no Cauê, onde trabalhava. Ao perguntar a outros funcionários quem era José Sana, disseram-lhe o seguinte: “É aquele ali, de óculos, com uma tabuleta nas mãos. Mas chegue perto dele e grite pra valer porque ele não ouve nem barulho de trator de esteira”. E ocorreu  aquele vexame que, sempre, tinha que aguentar calado e de cabeça baixa. Um vendedor desconhecido fez de mim, ao invés de ser humano, uma porteira. Acreditam que ainda comprei roupas do desaforado?
O constrangimento que fica mais caro para o surdo é ser marginalizado, e isso não tem preço que ressarça. Reparo bem que, quando as pessoas veem os meus aparelhos auditivos, preferem conversar com outro qualquer, mandando-me, às vezes, recados como se eu estivesse ausente. Outras facetas machucam ainda mais, como numa reunião, ou confraternização, ou bate-papo, quando adotam um procedimento discriminatório:  falam sempre em voz baixa quando ao sentirem  que não devo saber do assunto tratado ou aos berros (verdade, aos gritos) se precisam que lhes dê uma resposta. E como empurram, cutucam, dão tapas, pegam e repegam! Haja paciência! Não me digam que não sou pacífico!
E volto a afirmar que foram, primeiramente, 30 anos de tortura vividos no mais esforçado jeito de comportamento do ser humano. Minha mãe diz que aprendi a falar as primeiras palavras aos oito meses. Sinceramente, acho que é “corujice” dela, porque me recordo das mais tenras épocas quando as professoras diziam a mim: “Você não ouviu nada, né menino? O que foi mesmo que eu acabei de falar?” Coitado de mim, ouvia as metades e jogava na sorte, inventava frases e tentava escorregar de todas as maneiras possíveis para não assumir a surdez.
Sobrevivi, apesar de tudo. Mesmo na adolescência quando tive, por exemplo, que me sucumbir a um festival de “coques na cabeça” que um diretor de colégio me aplicou ao me ver distante da sala de aula, por não ter ouvido o tilintar do sino. Pensei que tivesse cassado irremediavelmente o resto de minha parca inteligência com tantas pancadas na cabeça. Contudo, vivi inesquecíveis momentos nos quais me saí bem por ser mouco. Por exemplo, no meu casamento, o padre, que era holandês e não falava sequer meia palavra em português, me permitiu bancar o bobo-alegre. Toda vez que ele se dirigia a mim e dizia alguma coisa eu gesticulava com um “sim”. Desta forma, na cerimônia., disse pelo menos uns vinte “sins”. E no fim, deu tudo certo, já que o sim sempre triunfa nesses momentos.
Depois de três décadas de vida no mais silencioso mundo da surdez quase total, passei a usar próteses e encarei o desafio de estudar outros idiomas. Dez meses de Francês com o Padre Dickens Remi, natural do Haiti, e uma viagem de trabalho à França, em seguida o enfrentamento de uma pendência quase infinita, o Inglês, na Wizard. Sempre encorajado pelo jovem professor Vinícius Lara e pela coordenadora Ester, atingi  praticamente o fim do curso. Mas, o destino emperrou o processo, fazendo-me chegar diante de duas opções agora: ou vou para o implante coclear, ou desisto do longo caminho já traçado. Na vida é sempre assim, as encruzilhadas são frequentes e inevitáveis. Desistir é como fracassar de vez e isso não pode acontecer.
Concluindo, sou grato ao apoio da família e, principalmente, da companheira Marlete, que balança, é claro, com a minha decisão a esta altura do campeonato, mas entende meu ponto de vista e o respeita. Os filhos, a mesma situação, além de tanta gente amiga, não se esquecendo da fonoaudióloga brasileira, que mora e atua em Londres, Carolina Leal e a ex-surda Paula Pfeifer, gaúcha e hoje morando no Rio de Janeiro.
Finalizando, ainda resta um desabafo e uma justificativa: Tiú é a mãe!  Com um especial e inusitado agradecimento: obrigado a quem pensou que me humilhava e fez o contrário, me ajudou! Justificando: ser surdo não é tão simples quanto quem ouve bem pensa. Até mais!’
José Sana (que está pensando seriamente em fazer um implante coclear)
🙂 

http://cronicasdasurdez.com/saga-de-um-surdo-que-nao-e-mudo/

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