O papel do psicólogo no processo de implante coclear
Já comentei em alguns posts sobre a barra psicológica que o implante coclear traz para as nossas vidas antes, durante e depois da cirurgia.
Gostaria de ter feito acompanhamento psicológico com um profissional
que entendesse muito desse mundo (surdez, implante, aparelhos auditivos)
desde o início. Pensando nisso, decidi convidar a Carla Rigamonti para escrever um post – e já aproveito para pedir a vocês sugestões de temas para outros posts escritos por ela, que comanda o Programa Espaço Escuta em São Paulo.
‘Durante a minha experiência como psicóloga na avaliação de pacientes adultos candidatos ao implante coclear em um serviço público, mais do que frequentemente ouvia os pacientes me falarem: “o médico/ a fono falou que agora só falta você…”. Em geral, essa afirmação era seguida por uma pergunta: “é só uma vez, né?” ou então: “vai demorar muito?”.
Eu que não demorei muito a perceber que o psicólogo torna-se uma pedra
no caminho dos adultos ou dos pais de crianças surdas que buscam o
implante coclear… Mas por quê?
A Psicologia tem se dedicado a estudar as áreas mais variadas da surdez e do implante coclear.
São realizados estudos relacionados à qualidade de vida e ao
desenvolvimento cognitivo de usuários de implante coclear, assim como de
questões emocionais relacionadas ao paciente e sua família. Eu sou
psicóloga e sigo a linha psicanalítica no meu trabalho, explico desde
já, uma vez que o tom dessa escrita será a partir da minha experiência.
Mas enfim… Estudos e Psicanálise já explicados, por que mesmo é necessária a avaliação com a psicóloga?
A experiência de ser ou tornar-se surdo,
ou ter um filho surdo engloba aspectos psíquicos existentes em todos os
seres humanos, não somente nos surdos. Mas a forma como a surdez é vivida pode trazer sofrimento – e não é pouco.
Para mães ouvintes que recebem o diagnóstico de que o recém nascido é
surdo, por exemplo, o momento da notícia exige uma energia emocional
enorme para uma acomodação da novidade no psiquismo: as expectativas que
foram depositadas no feto durante a gestação, que servem como uma
espécie de “ninho emocional”, podem ser radicalmente questionadas quando
se sabe que o filho não ouve. Aí que nós, psicólogos, falamos da
necessidade de um luto do filho esperado que não veio, e reitero aqui a
importância desse luto: ele permite que os pais possam investir
emocionalmente no filho real, e desse trabalho de elaboração abre-se um
espaço emocional de poder aceitar e observar o filho em sua
potencialidade.
Um ponto importante é que, quando a ferida está aberta, dói demais cutucar. E os psicólogos sabem disso.
O que as equipes de implante coclear pensam, entretanto, é que é
fundamental escutar esse momento de dor ao invés de tamponar o
sofrimento, oferecendo o implante coclear como uma solução. É importante
entender por quais motivos os familiares sofrem, quais são as queixas
deles, e até que ponto essa demanda pode ou não ser cuidada com o
implante coclear. Apesar de ter sido vista “como uma pedra no meio do
caminho” de tantos implantes, em meu trabalho com grupos de pais no Programa Espaço Escuta
aprendi que os familiares vêem a atuação do psicólogo como importante,
principalmente como alguém com quem eles puderam se abrir emocionalmente
ou como um membro da equipe que atentou para o fato das expectativas em
relação aos resultados não se concretizarem da forma que os pais os
imaginavam. Aliás, já ouvi mais de uma mãe falar que gostaria de ter conversado com um psicólogo antes.
Dessa forma, entendo que temos que falar sobre uma ferida ainda aberta
(e que os pais ou o paciente só querem que essa ferida deixe de
existir), mas só o fazemos por acreditar que isso contribui para a saúde
da família; saúde em seu sentido integral, o psiquismo aqui incluído.
Quando a deficiência auditiva é no adulto, temos duas possibilidades: casos como o da Paula Pfeifer e da Lak Lobato,
em que a deficiência auditiva é uma realidade vivida desde a infância e
com a qual elas lidaram e lidam até o momento. E também casos de
adultos ouvintes que perdem a audição, o que implica na necessidade de
uma adaptação e de mobilização de energia psíquica no sentido de buscar
novas formas de trocar, compartilhar, conviver, mas sem o sentido da
audição. Não me parece uma tarefa nada fácil, assim como não imagino uma pessoa não sofrer psiquicamente com essa mudança.
Não porque seja ruim ser surdo, mas porque simplesmente não se é mais o
que sempre foi. Uma questão importante a ser explorada nos casos de
adultos são as expectativas, e aqui os psicólogos vão além do “falar ao telefone” ou “ver televisão sem legenda”.
Atentamos, sim, ao que está latente no discurso, ou seja, às mudanças
que são esperadas, mas não necessariamente referidas conscientemente
pelo paciente. Sempre aqui me lembro de uma amiga que emagreceu mais de
10 kg em um ano: antes e durante o processo, o que motivava ela, a sua
maior expectativa, era de que mais magra ela se sentiria mais confiante,
conseguiria um namorado, teria mais respeito dos outros, enfim.
Imaginem que a mudança do corpo dela foi radical, mas ela se decepcionou
quando não se verificaram todas as expectativas que ela tinha, e aí que
acontece a frustração. E claro que a frustração faz parte de ser
humano, mas quando ela se torna mais intensa que a motivação, quando ela
acaba com as energias da pessoa, é necessário dar espaço para entender o
que realmente traz sofrimento: minha amiga queria emagrecer ou queria
ser mais confiante? Tem como mudar a forma como os outros nos veem sem
mudarmos a forma como nós mesmos nos vemos? Retomando, portanto,
o contexto do implante coclear, entendo que poder falar sobre as
expectativas e trabalha-las com um psicólogo antes do implante ajuda a
lidar com as decepções, sejam elas grandes ou pequenas, no momento
posterior à cirurgia.
Dessa forma, não é papel do psicólogo
adequar expectativas, acabar com frustrações, ou dizer se um paciente é
“bom ou ruim” para o implante coclear. Não, nada disso. É nossa
função escutar o que os pacientes dizem, escutar em quais pontos há
sofrimento e abrir um espaço para elaboração da notícia da surdez (seja a
própria, seja a do filho), porque acreditamos que assim o paciente e/ou
a família estarão melhor preparados para a cirurgia e, principalmente,
para a (re)habilitação auditiva. Também pontuo aqui a
importância de ter uma experiência de atenção psicológica prévia à
cirurgia e, portanto, um vínculo com um profissional que possa ser
retomado após a cirurgia, quando novas questões e angústias possivelmente surgirem.
Há psicólogos muito competentes e acolhedores por todo o nosso país,
tanto nas equipes de implante coclear como em clínicas privadas. Como
disse no começo desse texto, o sofrimento humano é sempre único,
singular – em surdos, ouvintes, cegos, pais, filhos. Se, no entanto,
vocês quiserem buscar um profissional que tenha experiência na área da
surdez e do implante coclear, coloco aqui algumas pessoas que são
referências em suas cidades. Em São Paulo eu tive excelentes professoras, destaco aqui a Rosa dos Santos,
que atualmente trabalha na equipe de IC do Hospital das Clínicas e
também em consultório particular. Uma ótima professora foi também a Midori O. Yamada, que está há anos à frente da equipe de Psico do Centrinho, em Bauru. Na região Sul destaco a psicanalista Maria Cristina Petrucci Solé, que estudou aspectos psíquicos da surdez desde sua pós graduação. No Rio de Janeiro recebo sempre indicação da Gisele Montricard,
que trabalha com a equipe do Fundão e tem clínica particular. Tanto a
Gisele quanto a Maria Cristina sabem também a Língua Brasileira de
Sinais, para os interessados. Estou destacando aqui somente algumas das
profissionais com quem já tive contato e que são muito bem recomendadas
pelas equipes de implante coclear. Se alguém tiver interesse em
buscar profissionais em outras cidades, posso ativar minha rede de
contatos e verificar o psicólogo conhecido mais próximo.
E se você for familiar de uma criança usuária de implante coclear, indico que você nos visite no Programa Espaço Escuta, localizado em São Paulo. Aqui nós, psicólogos, promovemos grupos terapêuticos entre pais de crianças usuárias de implante coclear.
É um trabalho que eu amo realizar e que os pais afirmam ter grande
importância. Nós realizamos muitas outras atividades, com uma equipe
interdisciplinar que cuida das crianças e dos familiares inclusive, mas
isso é tema para outra conversa…
Agradeço muito à Paula pela oportunidade de contar um pouco sobre esse trabalho com o qual eu aprendo tanto. O Crônicas da Surdez funciona, sem dúvida, como um grande grupo de apoio terapêutico virtual,
onde os adultos surdos podem se identificar e compartilhar
expectativas, desejos, medos, enfim. Não vejo a hora de a Paula visitar o
nosso Programa… E prometo: quando isso acontecer, vou fazer de tudo
para organizarmos um grande encontro, onde todos os usuários de IC e suas famílias aqui de São Paulo possam conversar com a criadora do Crônicas da Surdez!’
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