O que é Otosclerose e como tratar
Todos dias recebo uma infinidade de emails de leitores com perguntas médicas – as quais, obviamente, não tenho como responder. Decidi, então, trazer um consultor convidado para o Crônicas da Surdez: o médico otorrinolaringologista Luciano Moreira, do Rio de Janeiro.
Vocês podem deixar nos comentários sugestões para os próximos posts e
inclusive perguntas interessantes que possam ser transformadas em post.
‘Três motivos para falar de Otosclerose:
encomenda da Paula de um post sobre o tema a pedido de um leitor
(bastava esse), as dúvidas diárias no consultório de muitos pacientes e
familiares e por fim o comentário atravessado de um grande amigo meu,
médico. Disse ele outro dia sobre um paciente idoso que temos em comum: “Mas surdo nessa idade? Só pode ser otosclerose!”. Depois dessa, percebi que se o tema é desconhecido até dos meus colegas mais competentes de outras suas especialidades. Imagina do público em geral.
A otosclerose (ou otospongiose) é uma doença considerada hereditária autossômica dominante de penetrância imcompleta e expressão variada.
Como? Calma, vamos lá, não é tão complicado assim. A doença é
hereditária por ser herdada dos pais aos filhos. Autossômica quer dizer
que os genes que carregam esse defeito não são aqueles que determinam o sexo da pessoa, sendo portanto uma doença que pode acometer tanto homens
quanto mulheres. O termo “dominante” (contrário ao termo “recessivo” na
genética) quer dizer que basta que a pessoa herde um gene defeituoso da
otosclerose, do pai ou da mãe (sem precisar ser dos dois) para que ele
possa desenvolver a doença. E por fim “de penetrância incompleta e
expressão variada” nos diz que mesmo tendo alguém herdado esse gene
defeituoso, ele não desenvolverá obrigatoriamente a doença, e nos que a
desenvolvem, podem apresentar diferentes níveis de gravidade. Como se vê
os termos da genética assustam mas no fim das contas fazem sentido e
explicam bastante sobre a doença.
Assim, a doença se desenvolve em alguns
pacientes portadores dessas mutações genéticas, causando uma falha na
formação óssea da orelha média e interna, especialmente da janela oval,
onde o menor dos 3 ossículos da audição, o estribo, se articula. Com
o crescimento anormal de osso nesta região, o estribo vai se
paralisando e sendo incapaz de entregar à cóclea a vibração sonora que
chega até ele vinda do exterior. Classificamos essa surdez decorrente
dessa dificuldade de conduzir o som à cóclea como condutiva, em oposição
à surdez sensorial ou sensorioneural, oriunda do dano da própria cóclea
ou do nervo auditivo.
O nome da doença em si já leva a uma
confusão frequente, da qual foi vítima meu colega do primeiro parágrafo.
O termo “esclerose” foi popularmente usado no passado em relação aos
idosos com diferentes graus de confusão mental (naquela época não se
falava em Alzheimer ou demência senil). Entretanto, a otosclerose
aparece na maioria das vezes entre os 20 e 30 anos de idade (alô meu
colega, não é doença de velho!), podendo acometer inclusive crianças. O
paciente mais novo que operei foi uma menina de 9 anos. A otosclerose é
um pouco mais frequente nas mulheres do que os homens. Em alguns poucos casos ela pode causar dano coclear e levar a surdez sensorioneural.
A maioria dos pacientes vem ao
consultório na idade adulta, queixando-se de perda de audição
progressiva, eventualmente acompanhada de zumbido e mais raramente de
tonteira. O exame clínico e a aparência do tímpano ao exame otoscópico
são quase sempre normais. Muitas vezes a história revela casos de surdez
na família, embora esse dado possa estar ausente.
O exame mais importante e que normalmente define o diagnóstico é a audiometria tonal e a impedanciometria.
São exames simples, rápidos, e bastante disponíveis. Neles podemos ver o
padrão condutivo da perda auditiva e alguns outros parâmetros que
sugerem o enrijecimento do mecanismo de transmissão sonora da orelha
média (ossificação anormal ao redor do estribo). Raramente e em casos de
acometimento auditivo também sensorioneural, da cóclea, podemos pedir
também que se faça uma tomografia computadorizada para se afastar outras
causas para a surdez ou ajudar a confirmar a otosclerose.
Diante desse quadro de prejuízo para o paciente causado pela otosclerose, partimos para o tratamento, seja com aparelhos auditivos (AASI) ou uma cirurgia (estapedotomia ou estapedectomia).
Havendo indicação para a cirurgia com
base no grau de perda auditiva e condições clínicas para que essa se
realize, a estapedotomia (ou estapedectomia) é o tratamento de escolha.
Trata-se de cirurgia realizada há mais de 50 anos (com alguma mudanças
de técnica ao longo das décadas) e de grande índice de sucesso. Atualmente realizamos essa cirurgia em ambiente hospitalar,
sob anestesia local ou geral, conforme o caso. Com auxílio de um
microscópio cirúrgico ou videoendoscópio, verificamos e confirmamos a
fixação do estribo pela otosclerose. Vale dizer que apenas nesse momento
podemos ter certeza do diagnóstico. Em seguida, fazemos a remoção do
estribo defeituoso e introduzimos no seu lugar uma pequenina prótese
(+-4mm por 0,4mm) feita em teflon ou titânio, com o intuito de
reestabelecer a passagem das vibrações sonoras ao líquido dentro da
cóclea. No pós-operatório alguns pacientes podem apresentar vertigens
passageiras nos primeiros dias. Exercícios físicos, viagens aéreas,
mergulhos e qualquer outra variação de pressão devem ser evitados por um
prazo variável conforme a orientação de cada cirurgião e a recuperação
de cada paciente. A cirurgia tem um grande índice de sucesso mostrado em
vários trabalhos ao longo de décadas, com melhora auditiva satisfatória
na grande maioria dos casos. Entretanto, como em toda cirurgia, há riscos relacionados ao procedimento, incluído o risco de piora da audição. Esses risco devem ser bem discutidos com o cirurgião antes do dia da cirurgia.
Apesar do tratamento cirúrgico bem
estabelecido e de bom resultado, muitos pacientes podem não ser
operados. Surdez ainda pequena, coexistência de surdez sensorioneural,
doenças sérias associadas ou simplesmente o medo da cirurgia e seus
riscos potenciais levam um bom número de pacientes a optar pelo uso de
aparelhos auditivos. Na otosclerose os AASI funcionam muito bem. Estando a cóclea quase sempre preservada, a adaptação e o ganho promovidos pelo AASI tendem a ser excelentes. Entretanto, sabemos que a doença é progressiva
e com o passar do tempo o aumento da surdez pode fazer com que
pacientes que usaram AASI por um período prefiram tentar um ganho maior
através da estapectomia, que costuma ter um resultado mais duradouro.
Nos últimos anos, pacientes com graus
avançados de otosclerose e que não apresentados resultados satisfatórios
com os tratamentos acima descritos, têm podido se beneficiar das
tecnologias implantáveis, como os implantes de orelha média, o BAHA e
mesmo o implante coclear para casos selecionados.
Para os colegas cirurgiões e para as pessoas que se interessam em ver vídeos de cirurgia, há uma estapeddotomia endoscópica no nosso canal do Portal Otorrino do Youtube.’
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