Programa Espaço Escuta em São Paulo: porque escutar é mais do que ouvir
* por Carla Rigamonti
‘Apesar de ter aberto suas portas em setembro de 2011, o Programa Espaço Escuta já existe no desejo de seus fundadores há muitos anos. Antes por meio de curiosidade, desejo e conversa: o Presidente da Politec Saúde perguntava para a Cris Ornelas, que trabalhava num centro SUS de implante coclear: “Cris, como tá o pessoal implantado?” e a Cris respondia: “Olha, estão indo bem, mas falta apoio e orientação às famílias”. A Cris sempre usou uma metáfora que eu gosto muito: “às vezes é como se eles tivessem uma Ferrari, mas não soubessem dirigir”. Eu nem sei se a metáfora é dela mesmo, mas foi um ótimo ponto para nós começarmos a pensar na nossa forma de intervenção.
A lacuna que encontramos no atendimento às crianças usuárias de implante coclear e suas famílias é em relação ao aspecto psicossocial da
linguagem. E parece simples, mas não é. Explico: aqui as
fonoaudiólogas, os psicólogos, as assistentes sociais e a terapeuta
ocupacional se propõem a trabalhar a linguagem em seu sentido mais
amplo, como aquilo que estrutura as pessoas e como única forma de
inserção no mundo; e para isso nos propomos a escutar. Acreditamos,
assim, que o implante coclear cumpre muito bem a sua função de
proporcionar o acesso aos sons, ou seja, de proporcionar uma vivência
semelhante ao ouvir, mas que para escutar há muitos outros aspectos envolvidos.
Para proporcionar uma estimulação
contextualizada da linguagem, assim como promover a inclusão social,
fazemos todas as nossas atividades dos Projetos de Intervenção no
coletivo. Esses projetos são divididos em: Pré Escolares (2 a 5 anos), Escolares (5 a 11 anos) e Curso de Verão
(4 a 10 anos, residentes fora de São Paulo, esse grupo vem passar uma
semana aqui com a gente em janeiro). Nesses grupos, dificilmente
conversamos com crianças ou cuidadores separadamente, porque acreditamos que o coletivo tem muito a contribuir para cada um individualmente. Mas dividimos o pessoal: adultos e crianças têm espaços separados, com atividades específicas para cada um. A linha de trabalho com as crianças é a estimulação lúdica,
seja ela livre ou dirigida. Uma atividade livre é a Brinquedoteca,
momento no qual as crianças podem pegar o brinquedo que quiserem para brincar
sozinhas ou com as outras. Por outro lado, na atividade dirigida temos
uma proposta específica que é apresentada ao grupo e tem relação com o
tema de trabalho do nosso semestre. Em ambas as atividades estão presentes psicólogo, fonoaudióloga e terapeuta ocupacional,
que trabalham de forma interdisciplinar cada um dos aspectos da sua
área, considerando o singular E o coletivo. Parece complexo – e é mesmo.
Tanto que no final de cada grupo sentamos juntos para trocar ideias, impressões e pensar nas próximas semanas.
Para os adultos nós oferecemos três tipos diferentes de atividades. O Encontro
é uma conversa com algum dos profissionais: pode ser com a Cris, que é
fonoaudióloga (aquela que eu falei lá em cima, hoje ela é Coordenadora
do Setor de Linguagem aqui no Espaço!), a Luciana, que é
assistente social, ou até o pessoal da Assistência Técnica da Politec
Saúde que vem uma vez por semestre ajudar a limpar, guardar e entender
as peças dessa complexidade que é o implante coclear. No mesmo horário
do Encontro, em semanas alternadas, temos a Oficina
que, sinceramente, é o momento mais esperado pelos adultos. Ela tem uma
proposta de atividade artesanal que os cuidadores desenvolvem ao longo
do semestre. É um momento de pensamento livre e é muito gostoso. O
objetivo é descontrair mesmo: imaginamos que todo mundo merece um
intervalinho na semana e tentamos aqui garantir o dos nossos usuários. E
tem também o Grupo de Pais, coordenado por um
psicólogo e com co-coordenação da assistente social. Nesse grupo o
pessoal pode falar livremente, sobre o que quiser. Às vezes todo mundo
fala ao mesmo tempo, às vezes fica um silêncio que deixa todos
constrangidos. Como incomoda o silêncio, né? Mas na
maioria das vezes o grupo tem um movimento coletivo, onde os cuidadores
podem falar sobre as dificuldades que têm ou tiveram em relação à
criança surda, à aceitação da surdez, à dificuldade da decisão sobre o
IC (vocês sabem do que eu estou falando, não é fácil colocar um filho
pequenininho para passar por uma cirurgia), enfim… Muitas vezes falamos
também dos pais que não estão lá e que têm dificuldade de apoiar as
mães, dos maridos que não dão a atenção desejada à mulher e aos filhos, e
inclusive dos outros filhos que às vezes acabam não tendo tanta
atenção, muitas vezes eles têm que ceder, afinal o Fulano (filho surdo)
não entende tão bem quanto ele, né? É, isso acontece com mais pessoas do
que vocês imaginam. E também falamos de coisas nem tão bonitas,
motivo pelo qual protegemos o espaço do grupo de pais com o sigilo, ou
seja, com o cuidado de guardar com carinho e não espalhar por aí o que
conversamos lá.
Tem ainda no projeto de intervenção uma atividade mensal que chamamos de Adulto Também Brinca.
Aí sim juntamos todo mundo. Trazer os cuidadores para brincar com as
crianças ajuda o nosso trabalho técnico e permite mudanças nas relações,
quando os cuidadores podem ver através dos profissionais que existem
outras formas de troca, brincadeira e estimulação da comunicação das
crianças. Não é que nós conhecemos melhor ou sabemos mais, mas sim que
estamos de fora e podemos fazer pontuações, trabalhar junto, construir
novos caminhos buscando a melhor qualidade de vida e de comunicação.
Definimos nosso trabalho aqui no
Programa Espaço Escuta como complementar: é necessário a criança ir à
escola, fazer programação no centro de IC, fazer terapia fonoaudiológica
e usar o aparelho sistematicamente para poder frequentar o nosso
serviço. É necessário também que a criança seja usuária de implante da
marca Cochlear, já que somos um serviço gratuito para os usuários, 100%
patrocinado pela Politec Saúde. Para algumas famílias o Espaço torna-se
mais do que complementar, porque aqui a surdez pode ser encarada de
outra forma, ou porque aqui eles percebem que a surdez não é a grande
questão. Às vezes há outros problemas familiares em jogo, às vezes
encontramos entraves psíquicos que impedem que a criança se comunique
pela fala. Muitas vezes os pais chegam com uma expectativa específica
(ex: “que o filho fale”) e com o tempo podem pensar sobre por que o
filho não fala ainda e qual é a implicação deles nisso. Ou ainda: com o
tempo o Programa torna-se também para eles, e não só para os filhos. Por
isso que entendemos aqui como um espaço terapêutico.
A participação do Projeto de Intervenção tem duração mínima de um semestre e a continuação é conversada com a família. No momento estamos recebendo inscrições para o início em agosto. Se você tiver interesse em conhecer o Programa Espaço Escuta ou saber mais sobre o nosso trabalho pode entrar no nosso site,
Facebook (Programa Espaço Escuta – Politec Saúde) ou dar um ligada aqui
(11.3052.2013), quem vai atender provavelmente é a Nilce, além de
assistente social ela é nossa secretária. Se você for de fora da cidade de São Paulo, convidamos a nos visitar quando estiver por aqui e, quem sabe, se programar para participar do nosso Curso de Verão, que será do dia 10 a 18 de janeiro de 2015.’
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