Segundo apurado pelo g1, mulher, que é surda, comunica-se com dificuldade mesmo em libras. Defesa do magistrado suspeito nega que houve trabalho análogo à escravidão.
A mulher que teria sido mantida em condição análoga à escravidão pelo desembargador Jorge Luiz Borba e a esposa dele teve que usar o auxílio de uma intérprete de libras para prestar depoimento ao Ministério Público do Trabalho na tarde desta terça-feira (6). O g1 Santa Catarina apurou que a mulher, que é surda, usa uma espécie de "linguagem própria" e tem dificuldade de se comunicar mesmo em libras.
O desembargador disse em nota que "aquilo que se cogita, infundadamente, como sendo 'suspeita de trabalho análogo à escravidão', na verdade, expressa um ato de amor. Haja vista que a pessoa, tida como vítima, foi na verdade acolhida pela minha família". O caso está em sigilo (confira nota na íntegra abaixo).
A investigação do caso é feita pelo Ministério Público Federal (MPF). O casal estaria mantendo, há pelo menos 20 anos, uma pessoa que realiza tarefas domésticas diversas, mas não possui registro em carteira de trabalho e não recebe salário ou quaisquer vantagens trabalhistas.
O depoimento da mulher durou duas horas. Ela foi ouvida em Florianópolis, acompanhada de uma defensora pública.
O desembargador e a defesa dele também prestam depoimento. Além deles, também foram ouvidas testemunhas, incluindo outras pessoas que trabalham na casa de Borba.
Os depoimentos foram dados a representantes do MPT, MPF, Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Polícia Federal.
A ação é acompanhada Grupo Especial de Fiscalização Móvel, que existe há 28 anos. O órgão faz ações e alimenta com dados do país inteiro o Radar do Trabalho Escravo da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT).
Operação
O MPF informou que a ação na casa do desembargador Jorge Luiz Borba, nesta terça-feira (6), foi motivada por uma investigação que apura "indícios da prática criminosa" após relatos de "trabalho forçado, jornadas exaustivas e condições degradantes".
Em nota , o órgão disse que a medida tem como objetivo apurar denúncias de que Borba, nomeado para o desembargo em 2008, e a esposa mantêm a mulher em condição análoga à escravidão.
"A trabalhadora seria vítima de maus-tratos em decorrência das condições materiais em que vive e em virtude da negativa dos investigados em prestar-lhe assistência à saúde", informou o MPF. Conforme o órgão, a mulher tem deficiência auditiva, nunca teve instrução formal e não possui o convívio social resguardado.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) também foi procurado pelo g1 e ainda não pronunciou.
Segundo o MPF, os mandados de busca e apreensão são cumpridos pela Polícia Federal em Florianópolis. Como a investigação está em sigilo, não foi informado o resultado da operação desta terça.
A informação sobre a operação e a identidade do desembargador foi divulgada inicialmente pela jornalista Camila Bomfim, da Globonews.
As diligências na casa do desembargador foram acompanhadas por agentes do Ministério do Trabalho e dos ministérios Público Federal e do Trabalho. Na decisão que determinou a medida cautelar, já foi autorizado o resgate da trabalhadora e a emissão das guias para a quitação das verbas trabalhistas devidas.
Como a investigação é sigilosa, o MPF não divulgou se os envolvidos foram ouvidos na apuração.
Quem é o desembargador?
O desembargador Jorge Luiz de Borba preside a Primeira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC).
Ele nasceu em Blumenau, no Vale do Itajaí, e presidiu a subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no município em 1991. Recebeu o título de cidadão emérito da cidade em 2017.
Ele é formado em direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (Furb) e é pós-graduado em direito do trabalho pela mesma universidade.
O que diz o desembargador
Confira abaixo a nota na íntegra do desembargador investigado.
Nota de Esclarecimento
Venho manifestar surpresa e inconformismo com o ocorrido, antecipando, desde logo, que aquilo que se cogita, infundadamente, como sendo “suspeita de trabalho análogo à escravidão”, na verdade, expressa um ato de amor. Haja vista que a pessoa, tida como vítima, foi na verdade acolhida pela minha família.
Trata-se de alguém que passou a conviver conosco, como membro da família, residindo em nossa casa há mais de 30 anos, que se juntou a nós já acometida de surdez bilateral e muda, tendo recebido sempre tratamento igual ao dado aos nossos filhos.
Embora irresignado, confio serenamente na justa elucidação dos fatos, certo de que, quem faz o bem não pode ser penalizado. Colocamo-nos à disposição de todos, posto que dispomos de elementos suficientes para comprovar a dignidade dos nossos propósitos, que foram, são e serão exclusivamente humanitários, de amor ao próximo.
Desembargador Jorge Luiz de Borba
FONTE: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2023/06/06/mulher-que-seria-mantida-em-condicoes-analogas-a-escravidao-por-desembargador-de-sc-tem-linguagem-propria-e-teve-que-depor-com-interprete.ghtml
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