Andreza é formada em Artes Cênicas. Pensando em democratizar o acesso
às artes, ela fez um curso de extensão para trabalhar com pessoas com
deficiência e hoje é mestre em Educação, mais especificamente na área de
educação inclusiva. Sem saber, ao escolher esse caminho ela estava se
preparando para o convite mais irresistivelmente indecente da sua vida,
feito por Judite Muniz, uma mulher cega: fazer a audiodescrição de um
filme “quente”, meio erótico.
Andreza não apenas topou o desafio, como decidiu ampliá-lo. Afinal,
além de Judite, outras pessoas com deficiência visual e/ou auditiva
também poderiam se interessar por filmes eróticos. Ou você acha que as
pessoas que não enxergam ou não ouvem são assexuadas? A partir daí
surgiu uma ideia genial: criar a Mostra de cinema erótico Às Escuras.
A mostra acontece na terceira semana de março, no Recife, e o acesso é
gratuito para todas as pessoas (não será um evento exclusivo para
pessoas com deficiência, ok?). Os filmes inscritos serão selecionados
por uma comissão formada por mim, Cristina Teixeira, professora da UFPE,
e pela cineclubista Amanda Ramos.
Eu conversei com Andreza sobre a mostra e sobre o duplo tabu de tornar o sexo acessível a pessoas cegas e surdas.
Erosdita: De onde veio a ideia de criar a mostra?
Andreza: Surgiu de um conjunto de fatores. Mas
costumo dizer que minha musa inspiradora foi Judite Muniz, mulher cega,
frequentadora assídua dos eventos promovidos com acessibilidade
comunicacional que me questionou se eu teria coragem de fazer a
audiodescrição de um filme “quente”, meio erótico… Eu prontamente disse
que sim, mas alertei que teria que pensar melhor como faria isso. A
provocação não saiu da minha cabeça, então, pensei em criar um momento
no qual pudéssemos ter não apenas o recurso da audiodescrição, mas
Libras e legendas, em curtas e longas metragens… Foi dessa conversa que
comecei a idealizar a Mostra erótica de cinema Às Escuras.
Erosdita: Como funciona o trabalho de
audiodescrição, libras e legendagem descritiva em filmes com temática
erótica? Alguma especificidade?
Andreza: É necessário se despir de qualquer pudor e
traduzir sem censura! Além de contar com os audiodescritores,
intérpretes de Libras e legendistas, temos na equipe os consultores com
deficiência visual e auditiva, profissionais que atuam na área a algum
tempo.
Todo o trabalho de acessibilidade deve ser realizado por
profissionais devidamente capacitados. Diante do material audiovisual a
ser traduzido, os profissionais da acessibilidade fazer um estudo prévio
que lhes permitam adentrar no universo da obra em questão, para que,
então, elaborem as traduções (de imagem para palavras, no caso da
audiodescrição; de sons/diálogos para o texto em português, no caso da
legenda; e de sons/diálogo para Libras). Após essa etapa, o material é
submetido e discutido com os consultores para que possamos chegar na
versão final.
Erosdita: A mostra foca na acessibilidade para
pessoas que não enxergam ou não escutam, e me veio a dúvida sobre outros
tipos de inclusão, como por exemplo, selecionar filmes que mostrem
pessoas cadeirantes fazendo sexo. Também existe essa intenção?
Andreza: Sim. Estamos na torcida para que todas as
possibilidades de abordar o erotismo cheguem por meio dos filmes
inscritos. Por outro lado, a curadoria e a comissão poderão indicar
filmes para compor a mostra.
Erosdita: Essa é a primeira mostra nacional desse gênero. Como assim nunca fizeram nada parecido antes?
Andreza: Acredito que já devem ter tido várias
mostras eróticas de cinema no Brasil. Inclusive o Animage o ano passado,
dentro da programação tinha uma mostra erótica que teve audiodescrição.
O ineditismo está no fato de todos os filmes terem audiodescrição,
Libras e legendas.
Erosdita: Existe um tabu em relação às pessoas com
deficiência e outro tabu em relação ao sexo. Juntar as duas coisas é um
ato revolucionário. O que a mostra pretende dizer ao fazer isso?
Andreza: Apenas que eles são PESSOAS.
Erosdita: Existe um mito de que as pessoas com deficiência são assexuadas. O que você pensa sobre isso?
Andreza: Isso viola o direito do ser humano de se
ver, ser e se reconhecer enquanto sujeito de desejos. Certa vez, ouvi
uma mulher cadeirante dizer que quando estava grávida outra mulher
assustou-se ao vê-la com um barrigão e perguntou: – Quem fez essa
maldade com você? E ela prontamente respondeu: Não foi maldade, foi
gostoso! Diante de tudo isso, não tem como não começar a provocar uma
discussão sobre o tema.
Erosdita: A mostra erótica Às Escuras não é competitiva. Quantos filmes serão selecionados, quais os formatos, como serão as exibições?
Andreza: Serão 2 longas e 6 curtas. É possível que
tenhamos um pouco mais em função da duração dos filmes. Discutiremos
como serão exibidos com a comissão e a curadoria. O acesso é gratuito e
para TODAS as pessoas. É importante reforçar isso! Não será um evento
exclusivo para pessoas com deficiência. Será um evento inclusivo, com
audiodescrição, Libras e legendas para que pessoas com deficiência
possam assistir aos filmes em condições de igualdade. Será na terceira
semana de março.
Saiba mais informações sobre a mostra clicando aqui.
http://erosdita.ne10.uol.com.br/2016/01/mostra-de-cinema-exibe-filmes-eroticos-com-audiodescricao-libras-e-legendagem-descritiva/
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