O professor Rafael Dias conversa com Pamela: sinal de "correto" para a resposta da alunaÉ
a última aula de terça-feira para o 2º ano A da Escola Estadual Dom
João Maria Ogno, na Vila Esperança, zona leste de São Paulo. O professor
de geografia Paulo Afonso Del Pino escreve na lousa um resumo sobre as
máfias japonesa, russa, italiana, até que a lousa acabe e ele apague
tudo para, em seguida, escrever mais.
Os alunos participam desse
ciclo de cópia, cada um a seu modo - uns conversam ou jogam bolinhas de
papel no lixo, outros checam o celular ou simplesmente reproduzem no
caderno as frases do quadro-negro.
No meio de uma sentença,
Pamela de Souza Alexandre, de 18 anos, para de copiar, franze a testa e
aponta em suas anotações a palavra "gangue" para o professor Rafael Dias
Silva, que explica, com as mãos, que aquele conjunto de letras descende
da língua inglesa, é sinônimo de "quadrilha" e significa um grupo
organizado de malfeitores.
ContrasteA
primeira língua de Pamela é a Libras, a Língua Brasileira de Sinais. A
surdez não a impediu de aprender a ler e escrever em português, embora a
deficiência influa para esse aprendizado ser difícil e mais tardio. Ela
está a um ano do vestibular. Mas sua alfabetização em língua portuguesa
começou de forma efetiva há praticamente um ano.
Pamela chegou
ao ensino médio sem compreender sentenças simples na lousa e sem
entender plenamente as quatro operações básicas de matemática. Hoje,
resolve logaritmos. E o que faz a diferença nessa história é a atuação
do professor interlocutor de Libras durante todas as aulas do curso
regular, profissional inexistente na escola onde Pamela cursou o
fundamental.
Educadores como Rafael e estudantes como Pamela são a cara viva da proposta para a inclusão de surdos nas escolas do país
(leia quadro sobre o crescimento de matrículas abaixo).
Só a EE Dom João Maria Ogno, onde Pamela estuda, conta com quatro
professores interlocutores de Libras, incluindo a docente responsável
pela sala de recursos. Não à toa, dois importantes dicionários estão a
caminho do público este ano, vindos das mãos de quem está na linha de
frente das salas de aula da escola e da universidade.
Um deles
está em elaboração desde o início de 2013 no Ines (Instituto Nacional de
Educação de Surdos), órgão vinculado ao MEC que se tornou a maior
referência do país na área. O nome do projeto é um neologismo da Libras,
o "Manuário", termo criado por um ex-aluno surdo, que na prática é um
dicionário bilíngue Libras-Português e Português-Libras de termos
acadêmicos da área de pedagogia, já que o foco da instituição é formar
professores que trabalham na educação de surdos, inclusive preparando
docentes surdos.
A previsão é de que o Manuário
seja lançado em uma plataforma on-line e gratuita até o 2º semestre de
2014, mas a TV Ines, no próprio site do instituto, vai começar a
veicular vídeos de sinais já definidos para algumas palavras a partir de
maio. Assim, o público geral já poderá acompanhar os primeiros
resultados do Manuário no canal.-
Há uma grande relação de sinais de Libras em uso no âmbito do Ines, que
oferece o curso de graduação bilíngue de pedagogia. Porém, a circulação
desses sinais hoje é interna, nos cursos do instituto. Daí a ideia de
ampliar a circulação desse vocabulário pela internet - explica Janete
Mandelblatt, professora do Ines e uma das organizadoras desse trabalho.Como
a Libras é muito diferente da língua portuguesa, quem cria o sinal para
uma palavra? Quando começou a lecionar no Ines, Janete, que tem
formação em letras e ciências sociais, falava em português e contava com
um interlocutor de Libras. Conforme apresentava um conceito ou um autor
novo em sala, percebia que o interlocutor fazia primeiro a datilologia
(soletrava a palavra) e na segunda menção já usava um sinal específico
para a palavra que antes havia soletrado. Ela notou que o sinal era
sugerido pelos próprios alunos surdos, assim que se familiarizavam com o
tema proposto.
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