*Foto feita dia 11/11/2013 na ativação
Duas semanas de vida de cyborg
já. Logo depois da ativação me deu uma tristeza porque a parte que vai
atrás da orelha não parava quieta, caindo o tempo todo. Pensei que o IC
me livraria desse tipo de perrengue, já que não precisaria de molde,
etc. Aí fiquei com um tique nervoso de ficar conferindo a cada 30
segundos se ele estava no lugar. Algumas pessoas me disseram que eu
deveria usar um molde para segurar, só que a idéia nem me passou pela
cabeça já que, pela primeira vez em muitos anos, minha orelha direita
‘respira’. Me recomendaram a tal fita dupla face de peruca no grupo do
IC no Facebook, mas minha fono pediu que ainda não tentasse isso porque
ela é super forte, minha pele é tri sensível e, se cutuco a cicatriz
atrás da orelha, ainda sinto alguma coisa. Obedeci – mas vou comprar
pela internet. O pessoal da Politec Saúde foi maravilhoso e me deu o suporte que eu precisava (valeu, Alexandre!). Agora uso um earhook tamanho pequeno que segura melhor que o médio que eu vinha usando, e também tenho um snugfit
pequeno para quando precisar de ainda mais segurança. A grande
descoberta foi que as baterias recarregáveis, que tanto relutei em usar,
são bem menores do que o compartimento que leva as pilhas normais, ou
seja, dão maior estabilidade. Portanto, há uns três dias venho usando somente as recarregáveis. Aos poucos, vou me adaptando. O IC dá mais trabalho que um aparelho auditivo:
toda noite é preciso desmontá-lo e colocá-lo dentro do desumidificador,
colocar as baterias a carregar (e ficar de olho porque são 4hs de carga
para não estragar) e pela manhã remontar e usar. Nada demais, mas
demora uns dias até pegar no tranco. No primeiro dia em que precisei
tirar o compartimento de pilhas normais, eu tremia!!! Que medo de
quebrar o negócio…
Já percebi o quanto faz falta ter o suporte que eu preciso em Santa Maria. Já perdi a conta de quantas vezes fui a Porto Alegre.
Deus ajude que logo Santa Maria tenha implante coclear porque é
realmente muito chato e desconfortável estar a 4hs de estrada caso
qualquer coisa aconteça – e comigo, sempre acontece!
A primeira coisa que faço pela manhã é
colocar meu IC e meu AASI. Em alguns dias passei o dia todo só de IC
para ver como era, mas não é legal porque preciso (muito) da potência
que o AASI me dá do lado esquerdo e também porque, se o tiro, o zumbido
vai às alturas. Noto que o zumbido do lado operado diminuiu, e acho
engraçado que a única hora do dia em que lembro dele é quando levanto e
vou ao banheiro – parece que a primeira levantada da cabeça do dia é que
traz o zumbido serra elétrica de volta, mas pelo menos a duração agora é
de uns 5 minutos. Assim que ponho o IC, a serra elétrica desliga.
A sensação que tenho é de que
vivi por décadas num mosteiro budista e, de repente, me raptaram e me
levaram pro centro de uma cidade grande histérica. Nos
primeiros dias meu deslumbramento era tão grande que me senti bem, mas
depois… já tive verdadeiros dias de fúria, de não sair de dentro de um
quarto escuro e de precisar de remédio calmante para segurar o tranco.
Meu cérebro obviamente ainda não sabe filtrar o que me enlouquece, e eu
me sinto como um recém nascido reaprendendo a ouvir tudo. Não sei se
vocês vão achar engraçado, mas eu acho: nos primeiros dias, ouvir
passarinhos e os passinhos dos meus cachorrinhos era algo que me enchia o
coração de felicidade. Lá pelo final da primeira semana, toda vez que
ouço os passinhos dos cuscos minha veia da testa salta e, quando os
passarinhos começam o berreiro matinal, meldels, quero pegar uma arma e acabar com todos. Rezo pelo dia em que meu filtro cerebral comece a funcionar!
O que mais me dá prazer é ficar sozinha
no quarto, ligar a TV no Canal Sony e ficar ouvindo os seriados. Como as
legendas são em português e eles falam em inglês, leio a legenda e fico
esperando o que vou ouvir. Pareço uma idiota, me lembra de quando eu
tinha uns 16 anos e seguia um ritual para assistir Dawson’s Creek. Eu AMO ouvir em inglês,
cada palavra que ouço e entendo me sinto como uma rainha egípcia sendo
abanada por lindos soldados musculosos num dia quente de verão. #aloka
Descobri que fazer xixi é como estar em
frente às Cataratas do Niágara – o barulho é tão alto que nunca mais
serei capaz de ir ao banheiro na casa de alguém, certeza. Até o barulho
do teclado do notebook mudou pra mim. E barulhos que eu nem sabia mais
que existiam me dão sustos todos os dias: o relógio da cozinha, uns
gatos chineses que ficam balançando a mão, o ar condicionado, as
pulseiras que gosto de usar, as portas dos armários. É descoberta atrás de descoberta, redescoberta atrás de redescoberta.
Meus amigos andam meio irritados comigo porque tô num momento só meu – quanto menos gente por perto, melhor me sinto. Tudo o que for me causar apreensão ou stress, evito. Já tive uns surtos em casa estilo ‘se alguém falar Paula outra vez eu quebro os dentes da frente!!!’
e me assustei porque sempre me considerei a pessoa mais zen da galáxia.
Estou contando essas coisas todas porque acho muito importante dar a
real. A mudança interior é imperceptível aos outros, mas nos deixa em frangalhos. E frangalhos emocionais são difíceis de lidar. Sim, já me sugeriram fazer terapia e sim, estou avaliando a possibilidade.
Mas nenhum dia de fúria supera o milagre de ouvir a minha voz com perfeição e riqueza de detalhes -
agora eu falo sozinha o tempo todo (quando não tem ninguém por perto
hahaha) e fico pensando alto em inglês também. Não faço mais esforço
para falar. O Rodrigo Nunes tinha me dito que a gente fica com a
sensação de que está berrando e é verdade, várias vezes já me pediram
para falar mais alto e eu fico tipo ‘mas como assim já to berrando aqui e querem que eu berre mais que issssoooo‘.
Tenho pensado (olha a ansiedade aí) em
fazer logo a cirurgia no ouvido esquerdo porque quero ouvir totalmente
do jeito que ouço com o IC. Cada caso é um caso, eu tenho muita estrada pela frente, mas a verdade é que eu estou tremendamente feliz.
É um milagre ter um sentido de volta graças à tecnologia, às mãos
mágicas do Dr. Lavinsky e à dedicação das minhas fonos. Sinto como se
minha vida recém estivesse começando, pareço uma adolescente pensando em
tudo o que ainda quero fazer. Me dá taquicardia só de pensar. Quero
ficar bem logo, mas não tenho complexo de perfeição – o que vier além do que já veio é lucro. Muita gente me pergunta ‘e aí, tá entendendo tudo?’. É óbvio que não. Às vezes levo ótimos sustos de ouvir algo e entender do nada – tipo ontem, eu estava no PC e escutei AMEAÇA DETECTADA, dito pelo querido antivírus. Fiquei rindo sozinha.
Sei dizer que não sou mais a mesma pessoa.
Lembram quando eu dizia que o IC requer muita força e coragem de nós,
além de requerer que estejamos bem da cabeça? É fato, para que tomemos a
decisão de fazer a cirurgia. Mas o que ele requer de nós depois da
ativação, ainda não encontrei as palavras ideais para explicar.
Mas não se preocupem: estou feliz, me
sinto um milagre, acho que ganhei o maior presente do mundo e chorei de
emoção o dia em que ouvi o carinha do hotel batendo na porta com a mão
para me entregar um Sedex da Politec. Imaginem o que isso significa para
alguém que não ouviu a própria mãe pedindo socorro no banheiro ao lado
após um tombo há dois meses atrás.
Enfim: sinto que voltei a fazer parte do mundo de novo!!! Quem já está na surdez profunda, mesmo com os melhores aparelhos auditivos, não tem noção de tudo o que ainda perde.
http://cronicasdasurdez.com/como-tenho-me-sentido-com-o-implante-coclear
/?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+CronicasSurdez+%28Cr%C3%B4nicas+da+Surdez%29
Nenhum comentário:
Postar um comentário
COMENTE AQUI NO BLOG!!!
SEU COMENTÁRIO FAZ TODA DIFERENÇA!!!
Um comentário é o que você pensa, sua opinião, alguma coisa que você quer falar comigo.
BJOS SINALIZADOS.