Número de estudantes surdos nos cursos superiores cresceu ao longo dos anos, mas é bem menor que os com deficiência física, segundo dados do Inep.
Ingressar em um curso universitário é um desafio para a maioria das pessoas e não é diferente para estudantes com deficiência auditiva. Para os que sabem a Língua Brasileira de Sinais (Libras), a presença de intérpretes em sala pode ajudar, mas o desafio da inclusão vai além desse ponto (veja vídeo aqui).
(Nesta sexta-feira (3), os telejornais da Globo em Pernambuco apresentam uma série de reportagens especiais sobre inclusão.)
Professor de Libras e coordenador do núcleo de acessibilidade da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Antonio Cardoso é surdo e foi um dos primeiros docentes com deficiência auditiva na instituição. Ele aprendeu libras ainda criança, mas encontrou obstáculos durante a formação escolar por falta de intérpretes em sala de aula.
“Precisamos de mais garantias de acessibilidade. Nós já temos a LBI [Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência], que assegura a inclusão. […] Precisamos ampliar mais e entender que a pessoa surda precisa da libras, precisa aprender desde cedo”, afirmou Cardoso.
Dados do Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa (Inep), mostram que, em 2015, apenas 33 pessoas surdas estavam inscritas em cursos superiores em Pernambuco, número que passou para 123 em 2019, um aumento de 272%.
No entanto, apesar do crescimento, a quantidade de estudantes surdos ainda é considerada pequena por especialistas. Alunos com deficiência física, por exemplo, em 2019, 1.101 pessoas estavam matriculadas em cursos superiores no estado.
Tanto na rede pública, quanto na rede particular de ensino, libras, que é uma das línguas oficiais do país, passou a ser a primeira língua lecionada a pessoas surdas a partir de uma lei nacional. O português escrito ficou como a segunda língua ensinada às pessoas com deficiência auditiva.
Para a professora do departamento de fonoaudiologia da UFPE Adriana di Donato, a língua brasileira de sinais exige uma estratégia de ensino que precisa ser elaborada e pensada para o ambiente escolar desde a primeira infância.
“Não basta colocar um intérprete na sala de aula e dizer que isso é um modelo inclusivo para toda e qualquer pessoa surda. Para algumas pessoas, pode servir, pode ser adequado, mas para outros grupos não”, contou.
Segundo ela, apesar da lei, ainda é a família da criança ou adolescente que deve optar pela melhor maneira de ensino.
“A FAMÍLIA TEM O DIREITO DE ESCOLHER QUAL É A MODALIDADE DE ENSINO QUE ELA ENTENDER SER MAIS ADEQUADA AO SEU FILHO. SE É UM MODELO INCLUSIVO TRADICIONAL, ONDE A CRIANÇA ESTÁ NA ESCOLA COM UM INTÉRPRETE, OU NÃO, CASO ELA USE A LÍNGUA DE SINAIS. TEM CRIANÇAS SURDAS, POR EXEMPLO, QUE SÃO IMPLANTADAS E QUE TEM O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM ORAL E UMA PERCEPÇÃO ACÚSTICA AUDITIVA MUITO BOA”, APONTOU.
“Consegui passar no primeiro ano do ensino médio com ajuda de um colega, mas não tinha muito contato com os professores. Ao chegar no segundo ano, reprovei mesmo me esforçando muito. Fiquei muito sentido com essa reprovação e desisti da escola, porque não tinha intérprete, não tinha acessibilidade. Por sete anos desisti desse sonho”, declarou Antônio Cardoso.
Apesar das dificuldades, o professor, na época ainda estudante, resolveu voltar às salas de aula e conseguiu concluir o ensino médio. Depois disso, a vontade de continuar estudando foi maior do que os obstáculos encontrados no caminho. “Descobri o magistério na escola. Éramos três surdos na sala de aula, eu tinha 32 anos quando me formei”, contou.
Segundo a professora Donato, o preconceito ainda é um grande desafio dentro das salas de aula. “O que nos incomoda muito enquanto fonoaudiólogos é ouvir que surdo não aprende, que tem problema de memória. Na verdade, […] é a forma com que se utiliza estratégias inadequadas, estratégias para pessoas ouvintes. Daí deseja-se que a pessoa surda desenvolva-se a partir de uma perspectiva de aprendizagem que não é a dela.
A estudante Maria Juliana, de 20 anos, aluna do terceiro ano do ensino médio na Escola Barbosa Lima, no Recife, contou que quer prestar vestibular para o curso de letras em libras, na UFPE. Ela disse que aprendeu libras aos 10 anos, cerca de sete anos após ter pedido a audição.
“Na verdade eu nasci ouvindo e com o passar do tempo, aos 3 anos, eu perdi completamente a audição e fiquei surda […] Existem algumas dificuldades, o que é normal. Mas o nosso desejo é de aprender sempre”, declarou.
“Para o futuro eu tenho um sonho, o objetivo de fazer a graduação em letras e ter diversas experiências nessa área. A minha família também quer me ver feliz, com uma boa autoestima e sendo bem sucedida”, contou a jovem.
FONTE: https://www.librasol.com.br/surdos-relatam-desafios-na-trajetoria-escolar-e-carreira-academica-precisamos-de-mais-garantias-de-acessibilidade/
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