A intérprete de Libras Dânnia Vasconcellos foi uma das pessoas que
atuaram durante o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva Foto: Foto cedida por Dânnia Vasconcellos
Quem assistiu à sessão do Supremo Tribunal
Federal (STF) que julgou o habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva na última quarta-feira, 4, percebeu um detalhe
interessante, além do importante tema sendo tratado na audiência: os
três intérpretes de Libras trabalhando incessantemente no canto direito
da tela durante as quase 12 horas que durou o julgamento.
Não demorou muito para vários memes e piadas envolvendo os
intérpretes do STF surgirem nas redes sociais. Dânnia Vasconcellos e
seus colegas de trabalho relatam que foi um dia intenso e de muita
pressão. "Foi muito complicado porque é extremamente cansativo. Primeiro
porque a gente já faz uma tradução de uma língua para outra, além de
ter sido um tema que trouxe visibilidade para a gente já que toda a
comunidade surda estava de olho querendo acompanhar o que estava
acontecendo, então foi tudo muito tenso", disse a intérprete em
entrevista para o E+.
"A nossa profissão exige um preparo psicológico muito forte
porque a gente nunca sabe o que nos espera durante uma sessão de
tradução, de manhã estava traduzindo uma aula de linguística na
Universidade de Brasília (UnB)e à tarde fui para o STF. Então, a gente
precisa de calma para não haver influência no discurso que estamos
transmitindo", diz Dânnia, que foi para a profissão após aprender a
Língua Brasileira de Sinais (Libras) para ajudar uma tia, que é surda.
Desde outubro de 2017, o STF começou a disponibilizar tradução
em sinais pela TV Justiça nas transmissões das sessões plenárias do
tribunal, que acontecem às quartas e quintas-feiras "O STF realmente é
um lugar diferente porque ele é muito específico por causa dos termos
jurídicos. Como Libras é uma língua que só foi reconhecida em 2002, é
tudo muito novo e não há sinais para todas as palavras da língua
portuguesa. Então, o que a gente faz é ver a pauta do dia das sessões
pelo site do tribunal e vamos atrás do vocabulário", explica Dânnia,
ressaltando que o tribunal não dá assistência nessa pesquisa dos
intérpretes e que o estudo dos temas e das pautas fica por conta deles.
Felipe Oliver, tradutor e intérprete de Libras do Instituto
Nacional de Educação de Surdos (Ines) e tradutor juramentado no Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro complementa dizendo que, em situações
jurídicas, o importante é ter acesso prévio ao que será discutido e
conversar com as partes do processo. "A tradução é feita sempre por
interpretação, então quando o tribunal vem me consultar para uma
audiência é sempre bom conversar com as partes para entender o assunto e
como transmitir para o surdo uma melhor interpretação daquilo que está
sendo falado", conta. Ele ressalta que como não há sinais específicos
para os termos jurídicos e em latim, vai de cada intérprete usar da sua
experiência para passar aquilo do melhor jeito ao surdo.
"O importante é saber que Libras não é a língua portuguesa
feita com as mãos, então a gente não interpreta cada letra com um sinal e
sim dentro de um contexto. Nós estudamos as palavras chave no
julgamento do HC do Lula, assistimos matéria, lemos entrevistas para
entender o vocabulário e o tema para passar ao surdo a interpretação
mais fiel ao discurso dos ministros por conta da importância da
audiência", conta a intérprete.
Sessões longas. No dia do julgamento do HC a
produção da TV Justiça já havia avisado aos intérpretes que a sessão,
provavelmente, se arrastaria pela noite, o que ajudou na preparação
física. "As pessoas pensam que é simples, mas a gente fica em pé no
estúdio, com iluminação forte na cara, ar condicionado, além do cansaço
físico e mental que são naturais da profissão. Fizemos muito trabalho de
alongamento, ficamos sempre com água e alimentos à nossa disposição e,
quando trocávamos de turno, sempre tentávamos relaxar para manter o
foco", falou Dânnia.
Felipe diz que algumas conquistas da categoria, como o
revezamento dos profissionais de 20 em 20 minutos garantiu uma melhor
atuação dos intérpretes de Libras. "Diferente das línguas orais, o
intérprete de Libras atua com todo o seu corpo, então o revezamento é
importante para evitar um desgaste físico e mental dos intérpretes, além
de lesões comuns à profissão como lesão por esforço repetitivo nas
mãos, hérnias de disco por ficar muito tempo em pé e inflamações ou
tendinite nos ombros pelos movimentos em ritmo intenso", explica.
Memes. Sobre a repercussão na internet com os
memes e piadas, Dânnia conta que num primeiro momento ficou assustada.
"Você fala pra si mesma 'meu Deus, o que o pessoal tá falando de mim e
do meu trabalho?', mas depois vi que foi muito interessante porque
trouxe uma visibilidade boa para nós e para a comunidade surda. Se tem
um intérprete ali é porque existe um público para isso e quando as
pessoas percebem isso também enxergam que o surdo existe e que ele não
pode ficar à margem da sociedade", comenta. "A aceitação pelo público
surdo da tradução nas sessões do STF tem sido extremamente boa, sempre
que estou na UnB os alunos vêm falar comigo que finalmente podem
acompanhar o que acontece no Judiciário, então toda essa repercussão é
sensacional", comemorou a intérprete.
Veja abaixo alguns dos memes e piadas que fizeram sucesso nas redes sociais durante o julgamento.