Como você pode contribuir com a acessibilidade de pessoas surdas
Como é se relacionar com uma pessoa surda? Não importa se você é um familiar próximo ou distante, se é amigo ou colega, entender o universo da surdez traz benefícios tanto para pessoas ouvintes quanto surdas.
Para
ouvintes, porque ampliam seu entendimento sobre as possibilidades e
capacidades humanas, que além de diversas, apresentam potenciais
incríveis. E para pessoas surdas, porque assim é possível contribuir para uma melhor comunicação com ouvintes, ampliando principalmente o acesso a informação e a igualdade de direitos.
Um amigo meu, alguns meses depois de terminar o curso intermediário de Libras, teve a oportunidade de ajudar um casal de surdos que tentava com dificuldade comprar um lanche na rodoviária de Curitiba.
A pessoa que os atendia havia simplesmente desistido de
compreendê-los, mas meu amigo que já tinha um nível de comunicação
básico acabou intervindo e conseguiu mediar a situação, o casal
conseguiu o que queria e ficaram
muito agradecidos e meu amigo por sua vez foi pegar o ônibus feliz da
vida, achando que o curso de Libras não poderia ter valido mais a pena!
Já escrevi aqui sobre a Libras, a Língua de Sinais Brasileira, que é um dos pontos fundamentais ao se tratar da comunicação com pessoas surdas.
Eu tenho um irmão surdo e posso dizer que, além da Libras,
aprendi muito nesta experiência. O Dudu se comunica exclusivamente pela
língua de sinais, ou seja, não faz leitura labial ou oralização do
português. O fato do Dudu ser surdo influenciou muito na maneira como eu
percebo a vida, tenho a impressão que me tornei, pela nossa relação,
mais sensível a diversidade de experiências humanas.
No caso das pessoas surdas, as barreiras de comunicação ainda são
inúmeras. Em grande parte devido a aspectos sociais e culturais, mas há
muita beleza e potencialidade na diferença. E acredito que com educação e políticas públicas adequadas, as possibilidades de igualdade na diversidade se ampliam consideravelmente.
Bem, ter uma pessoa surda na família pode ser difícil. Mas acredite, bem mais difícil é para ela ter somente ouvintes na sua família. O curta animado “La Familia Silencio“,
feita por jovens surdos da Colonia Guerrero na Cidade do México,
representa algumas situações cotidianas de um garoto surdo que convive
com pai, mãe e irmã ouvintes:
A história de isolamento retratada em “La Familia Silencio” é mais recorrente na vida real do que se pode imaginar. Já pensou quanto conteúdo uma pessoa surda perde somente durante uma refeição em família? E isso se multiplica nas mais diversas ocasiões: encontros, comemorações e eventos cotidianos.
As informações passadas para a criança surda acabam sendo
superficiais e resumidas, não cobrindo sua necessidade de compreensão e
expressão. Não é à toa que se considera que as dificuldades enfrentadas
por pessoas surdas adultas resultam em grande parte de um déficit enorme de conhecimento e comunicação que acontece desde sua infância.
Quando a família não propicia o aprendizado da língua de sinais, as
consequências podem ser ainda mais complicadas e, às vezes, difíceis de
reverter. Uma pessoa sem uma língua não tem meios de aprender,
compreender e se expressar no mundo.
Sobre o tema, são famosas histórias como a de Kasper Hauser, que
passou os primeiros anos de sua vida em uma cela, isolado do contato com
outras pessoas. Assim, não aprendeu um idioma e teve grandes
dificuldades de comunicação. Em 1828, supostamente aos 15 anos, Kasper
Hauser foi abandonado em uma praça pública de Nuremberg com um carta que
contava sobre sua história, juntamente com alguns objetos que indicavam
ser procedente de uma família nobre. Inicialmente, Kasper Hauser não
sabe nem mesmo como reagir a chama quente de uma vela, afinal nossas
emoções e reações também são parte de aprendizado e repertório cultural.
Sua história foi representada no filme “O Enigma de Kasper Hauser“, de 1974 e pode dar uma boa ideia das dificuldades que a privação de comunicação traz.
Não raro, a experiência da surdez
é retratada pelas artes visuais como forma de expressar, dentre
diversas temáticas, conflitos em relação ao mundo predominantemente
ouvinte. Susan Dupor, artista norte-americana, faz uso da pintura para expressar suas vivências como surda.
A obra intitulada “Family Dog” de Dupor representa uma sala,
em que um garoto com o corpo recostado ao chão se encontra embaixo da
mesa de centro e seis figuras de pessoas adultas estão sentadas em um
sofá e no entorno com seus rostos desfigurados.
Esta composição sugere o isolamento da criança surda em sua própria família e a falta de comunicação e compreensão tanto da criança em relação aos ouvintes, como vice-versa.
Quando a surdez é compreendida por familiares ouvintes como
deficiência, dificilmente há busca pelo contato com outras pessoas
surdas. Quando o aprendizado da leitura labial e oralização não é
bem-sucedido, a carência de comunicação e privação de conhecimento e
informação pode trazer sérias consequências ao desenvolvimento
intelectual, emocional e cognitivo. Assim, Family Dog representa em
partes, a muitas vezes complicada relação entre surdos e ouvintes.
Susan Gregory, em uma pesquisa sobre a relação de crianças surdas com a família publicada no seu livro “Deaf Children and their families”
em 1995, constatou que o número de acessos de raiva de uma criança
surda pode ser o dobro em relação a crianças ouvintes, isto em
decorrência da frustração da criança em não conseguir se comunicar, o
que a autora considera inevitável perante a política educacional que, na
ocasião da pesquisa, focalizava somente a comunicação oral e nenhuma
outra além desta. Afinal, qualquer pessoa como dificuldades em se
expressar e ser compreendida pode ficar irritada.
Uma criança em um ambiente de familiares ouvintes, por exemplo, ao
ver a mãe atender a campainha, não entende o motivo pelo qual esta abriu
a porta e, ao abrir a porta em outro momento, provavelmente não irá
encontrar uma pessoa como aconteceu no caso de sua mãe. Se o telefone
toca, algum familiar
ouvinte atende e mexe os lábios, e para a criança surda esta é uma ação
sem significado, já que, ao segurar o telefone ao ouvido, não irá
escutar nada. Tais situações podem gerar frustração e falta de
compreensão em relação aos acontecimentos ao seu redor, além do
sentimento de possuir uma diferença negativa em relação à própria
família.
Pensando nessas questões, a Escola para Crianças Surdas de Rio Branco
apresentou, em 2009, o que seria um “Ambiente de Estimulação do
Desenvolvimento para Surdos”, espaço que simula uma casa e é destinado
aos alunos e familiares atendidos pela escola. O ambiente inclui relógio
despertador vibratório, babá eletrônica, telefone para surdos no quarto
dos pais e vídeos de desenhos infantis em línguas de sinais. Foram
incluídas também paredes internas baixas, possibilitando e facilitando a
comunicação entre pessoas em cômodos diferentes.
Em 2011, conclui minha pesquisa de mestrado sobre surdez e
comunicação. E dentre tantas histórias incríveis que tive a oportunidade
de conhecer, uma delas foi a de Rosani. Além dela, acabei entrevistando
parte da família, o que resultou em um vídeo, o curta “Família Suzin Santos“.
Rosani é surda e tem a síndrome de Usher,
responsável pela diminuição progressiva de seu campo de visão. A mãe de
Rosani, Iraci, é ouvinte e junto com Maurício e Emanuell, marido e
filho de Rosani, me contaram um pouco das experiências da família que
incluem: a descoberta da língua materna de Rosani; o aprendizado da
língua de sinais e a interessante invenção de Maurício, uma babá
eletrônica vibratória feita a partir de um aparelho massageador.
E você, como pode ajudar a mudar este contexto?
As sugestões a seguir dependem muito da sua proximidade (amigo, familiar ou colega
de trabalho) e da idade em que a pessoa surda se encontra. Mas todas
servem para qualquer relação entre pessoas surdas e ouvintes.
1. Aprenda Libras! Saber se comunicar (mesmo que em
um nível básico) pela língua materna da comunidade surda é muito
importante. Se a pessoa surda for um familiar, torna-se ainda mais
fundamental conhecer a Libras para estreitar os laços, trocar ideias,
aprender e ensinar, compartilhar a vida.
2. Procure instituições especializadas. No caso de
crianças, escolas que considerem o uso e o ensino tanto da Libras quanto
do Português. Recursos didáticos, ambientes de aprendizado, dentre
tantos outros aspectos da educação, precisam estar em conformidade com
as especificidades da surdez. Nestas instituições é importante observar
se pessoas surdas ocupam os mais variados cargos como professores,
gestores ou servidores. Se quase todos forem ouvintes, a falta de
referência de um adulto surdo pode levar a criança surda a se considerar
menos capaz.
3. Em escolas, universidades, palestras e eventos, solicite sempre a presença de um Tradutor e Intérprete da Língua de Sinais. É um direito garantido por lei.
4. Estimule a participação da pessoa surda em grupos de surdos.
Existem grupos esportivos, religiosos, dentre tantos outros, aonde a
Libras é a primeira língua falada e a maioria dos integrantes é surdo.
Nestes grupos é possível que a pessoa surda consiga aperfeiçoar sua
comunicação em sinais, troque conhecimento e conheça outras pessoas que
são surdas como ela! Esta convivência entre falantes da mesma língua faz
toda diferença para o desenvolvimento, autoestima e integração social
da pessoa surda.
5. Informe-se sobre os direitos garantidos por lei à pessoas surdas.
Embora os efeitos na prática ainda não aconteçam de maneira efetiva, o
Brasil, nos últimos anos, teve avanços significativos no campo das
políticas públicas voltadas à inclusão social. Destacam-se a Lei n. 10.436 de 2002, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais como meio oficial e legal de comunicação e expressão; o Decreto Federal 5626/2005, que regulamenta a lei 10.436 e a Lei n. 12.319 de 2010, que trouxe a regulamentação da profissão de tradutores e intérpretes da língua brasileira de sinais. A Lei n. 10.098 de 2000,
embora utilize o termo “deficiente auditivo” e seja mais abrangente,
também estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da
acessibilidade.
6. Procure materiais e recursos que tenham incorporados a língua de sinais.
Embora não tanto quanto é necessário, existem atualmente livros, jogos,
filmes e recursos didáticos que incluem a Libras. Estes materiais são
muito importantes e benéficos porque frequentemente apresentam
representações positivas acerca da surdez, associam Libras e Português e
podem ainda aproximar surdos e ouvintes.
7. Considere sempre a experiência da pessoa surda.
Se for desenvolver qualquer projeto que tenha como pressupostos
acessibilidade e inclusão, procure saber como uma pessoa surda se sente
em relação a sua proposta, quais são as possíveis barreiras e sugestões.
Sendo ouvintes, nunca saberemos realmente como é ser surdo.
Aonde aprender Libras?
- No Brasil a Federação Nacional de Integração e Educação de Surdos (FENEIS) está presente em diversas cidades e oferece cursos de Libras em níveis variados.
- No Rio de Janeiro, o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) também oferece cursos de Libras.
- Outras possibilidades são cursos oferecidos por Igrejas e Escolas locais, certamente deve existir algum acontecendo na sua cidade.
E você, tem alguma experiência ou sugestão sobre a convivência entre
pessoas surdas e ouvintes pra contar? Compartilhe nos comentários :)
http://papodehomem.com.br/como-voce-pode-contribuir-com-a-acessibilidade-de-pessoas-surdas/
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