Toda semana algum médico me manda email ou vem falar comigo para comentar sobre um caso difícil envolvendo um(a) paciente que não aceita o fato de ter perdido a audição. E quando me pedem conselhos de como ajudar alguém assim, confesso que fico meio paralisada. Tenho uma personalidade um pouco difícil pois tenho a péssima mania de achar que tudo é frescura, que as pessoas têm que ser super fortes, verdadeiras fortalezas. Acabei aprendendo que o fato de eu ser assim não significa que os outros também sejam. Meus conselhos acabam parecendo rudes ou ríspidos, e quem dá a notícia para um paciente de que ele perdeu a audição e não vai recuperá-la deve passar por uma situação bem tensa e complicada.
Digo mais uma vez: deficiências têm a ver com recomeços. Perder um sentido significa recomeçar. Significa se adaptar à sua nova condição. E, o mais importante de tudo, significa aceitar essa condição nova. Sempre que assisto a filmes com cenas de reuniões dos alcóolicos anônimos, eles fazem aquela oração que diz o seguinte:
“Concedei-nos Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar; coragem para modificar aquelas que podemos e sabedoria para distinguirmos umas das outras.”
Isso se aplica perfeitamente aqui. Quando algo grave acontece nas nossas vidas, é lógico que vamos passar um tempo de luto, com raiva, sem entender porque diabos aquilo aconteceu conosco. A parte complicada quando se trata de surdez é que ela afeta a nossa comunicação com o mundo e, de muitas maneiras, a nossa independência como ser humano (resolver problemas por telefone, escutar o interfone, participar das conversas em pé de igualdade, frequentar faculdade/escola/trabalho e ficar boiando, escutar e entender qualquer coisa no escuro). É por isso que é tão difícil chegar no ponto em que conseguimos lidar numa boa com a falta da audição. Eu mesma percorri um longo e demorado caminho até parar de gastar energia com isso. Foram muitos anos!!! E justamente por ter cometido esse erro besta e por não ter estimulado o meu resíduo auditivo nesses anos de teimosia é que fico louca quando vejo alguém fazendo o mesmo.
Se sentir um lixo por uns tempos? É normal. Entrar em depressão? Não é. Sentir ódio mortal de tudo e de todos por uns meses? É normal. Se isolar do mundo e não fazer nada para interagir com as pessoas por se sentir um coitadinho? Não é.
Ou seja: quem perde a audição vai curtir uma fossa das brabas. Que dure um tempinho, tudo bem. Mais que isso é perda de tempo, burrice, teimosia – ou chame como quiser. Temos a opção de esgotar todas as possibilidades: se der pra usar aparelho auditivo, tente. Faça o esforço, oras! Descubra se você é candidato ao implante coclear. Aprenda a ler lábios. Lute por acessibilidade para quem não ouve. Mas pelo amor de Deus, não passe o resto da vida trancado em casa praguejando e sentindo pena de si mesmo, porque isso não resolve nada.
Quem se sentir ofendido que me desculpe, mas é a mais pura verdade. A hora de recomeçar é agora, e negar o óbvio não faz com que ele desapareça. Aos médicos digo sempre isso que escrevi aí acima. Não acho legal que ninguém estimule uma pessoa que se torna deficiente auditiva a se fechar pro mundo, produzir uma auto-imagem de inferioridade, virar adepto do ‘coitadismo’ e não buscar toda a ajuda que a tecnologia pode oferecer. O que mudou pra você passar a se enxergar de outro modo? Ah, não escuta mais ou escuta mal? E daí? Bola pra frente porque a vida passa rápido demais, hein?
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