Já imaginou como seria se você não pudesse mais escutar? Não conseguir ir a um show, ver um filme ou jogar ouvindo o som ao seu redor. Foi pensando em incluir as pessoas que possuem alguma deficiência auditiva no universo sonoro e musical que Rafael Zinni Lopes, graduado e mestre pela Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP em Pirassununga, desenvolveu o Timbrasom, aplicativo que transforma os sons em vibrações rítmicas.
O Timbrasom é capaz de traduzir as ondas sonoras em vibrações através do smartphone, como se o celular dançasse na palma da mão do usuário. O aplicativo possui duas funções principais: a primeira é que consegue traduzir o som ambiente em vibrações. Já a segunda função permite a tradução do áudio de outros aplicativos do smartphone de forma simultânea, como YouTube e Netflix, por exemplo.
Atualmente, o Timbrasom está disponível gratuitamente para qualquer celular Android, e não requer processadores fortes. O aplicativo é um produto mínimo viável, o que significa que ele está em uma versão mais básica, mas já com as funções e recursos fundamentais. Segundo Lopes, o aplicativo está sendo refinado aos poucos, mas a tecnologia já está pronta para ser usada para traduzir sons ambientes e sons de outros aplicativos do smartphone.
No Brasil existem aproximadamente 10,7 milhões de pessoas com deficiência auditiva, sendo 2,3 milhões com surdez severa, segundo estudo do Instituto Locomotiva e da Semana da Acessibilidade Surda. Já a Organização Mundial da Saúde (OMS) traz informações de, aproximadamente, 500 milhões de surdos no mundo e, até 2050, haverá pelo menos 1 bilhão em todo o globo. Diante desse cenário, a Timbrasom e outras tecnologias, que promovem a acessibilidade para essas pessoas, podem ser fundamentais para a plena inclusão em um futuro próximo.
Inspiração
Lopes explica que uma das inspirações para a criação do aplicativo foi quando ele estagiava no Laboratório Bioma da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, onde trabalhou com trote de cavalos, e ao ter que diferenciar esses trotes acabou aprendendo os parâmetros sonoros. Nesse estágio, supervisionado pelo professor Ricardo Vieira Ventura e orientado pela professora Vivian Lara Silva, Lopes desenvolveu atividades focadas em programação e em entender as características do som, e dessa maneira descobriu essa aptidão para a computação. O criador da Timbrasom destaca que a professora Vivian foi fundamental em transformar a ideia do aplicativo em realidade, auxiliando na criação do projeto e de uma startup.
O criador do aplicativo conta que participou de um hackathon, isto é, uma maratona de programação na qual desenvolvedores de software se reúnem por horas, cujo objetivo era trazer mais pessoas para o mundo da música, e assim surgiu a ideia de criar o Timbrasom, aplicativo para incluir deficientes auditivos nesse universo.
Tradução de sons em vibrações
O músico e professor de Percepção Musical Fernando Emboaba de Camargo, graduado em Licenciatura em Música na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e atual docente na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, explica a relação de som, música e vibração: “O som e a vibração possuem uma conexão inseparável, o som é a vibração de algum material, uma energia que vibra algo, seja a água, o ar ou algum sólido que caracteriza o timbre desse som”. Camargo ainda complementa dizendo que “traduzir música e som em vibrações é relativamente simples, se você encostar em uma caixa de som ou na garganta de alguém cantando, você sente a vibração, a música é a condução dessas vibrações, portanto a tradução é o caminho inverso, transformar sons em vibrações rítmicas”.
O aplicativo consegue traduzir até as ondas sonoras mais agudas, segundo Lopes: “Eu participei de uma sinfônica, em Utah, nos Estados Unidos, e consegui através do Timbrasom traduzir o agudo do violino para os patronos surdos da Utah Symphony, mesmo sendo ondas muito agudas”. Além disso, as vibrações podem trazer uma experiência sensorial nova para pessoas que não tenham nenhum grau de surdez, Lopes diz que não só ouvir, mas sentir a música e os sons na palma da mão promove uma nova relação sensorial com o universo musical.
Inclusão na prática
O Timbrasom pode apresentar uma nova forma de consumir sons, mas também gerar inclusão na produção de arte. Segundo Lopes, já existem projetos para auxiliar, principalmente as crianças com algum nível de surdez, a tocar instrumentos musicais. Um exemplo é ajudar uma criança a tocar bateria, com o aplicativo no bolso, traduzindo em tempo real o som da bateria. Vale ressaltar que ainda não existe um método para esse tipo de aprendizado, mas o criador do aplicativo afirma que existem projetos em desenvolvimentos voltados para isso.
A ferramenta pode promover também aulas de dança para deficientes auditivos, pois existe um ritmo musical sendo traduzido em ritmo vibracional, possibilitando uma nova expressão corporal para esse grupo.
Dispositivos complementares
Projetos de desenvolvimento de novos dispositivos que complementam a ferramenta estão em desenvolvimento. Lopes afirma: “Eu já conversei como uma empresa de automóveis para desenvolver comandos acessíveis para pessoas surdas nos carros, transformando o som em vibração, para a pessoa ter uma percepção melhor, tanto do ambiente interno, dentro do carro, quanto do ambiente externo”.
Outros dispositivos que poderiam melhorar a eficiência do Timbrasom são braceletes que seriam conectados via bluetooth e o criador do aplicativo explica: “Imagine um pai que é ouvinte e fala com um filho surdo, colocando o bracelete no filho, é possível que o pai se comunique com ele de outro ambiente ou cômodo, transformando a voz dele em vibrações, e através das vibrações o filho entende o comando de voz”.
Outra ferramenta que pode complementar o Timbrasom, apresentada por Lopes, são óculos com legendas simultâneas, uma tecnologia que ainda não é presente no Brasil. Conectando vibração, legendas e até mesmo libras, trazendo uma experiência completa.
*Estagiário sob supervisão de Ferraz Junior e Rose Talamone
FONTE:
https://jornal.usp.br/campus-ribeirao-preto/aplicativo-pode-transformar-o-consumo-de-musica-por-deficientes-auditivos/
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