Docentes alegam não terem pleno domínio da língua de sinais para lecionar, e alunos reclamam de paralisação
RIO — Rua das Laranjeiras 215. Em um cartaz fixado no lado esquerdo 
da entrada do Instituto Nacional de Surdos (Ines), professores e 
servidores em greve há mais de dois meses justificam a paralisação “em 
defesa da educação”. Do lado direito do portão, outro painel escrito por
 pais e alunos protesta contra o que seria o abuso do direito de greve, 
também “em defesa da educação”. Quem entra na instituição de 156 anos 
logo percebe que o silencioso conflito do lado de fora dá lugar a 
estudantes sem aulas e com poucas chances de escapar da situação, já que
 são raras escolas Brasil afora que oferecem instrução na Linguagem 
Brasileira de Sinais (Libras). 
Apesar
 da trajetória e dos investimentos crescentes, o Ines acumula carências.
 Os professores alegam ter abandonado as salas de aula por não saberem 
como ensinar. Não aprenderam Libras, não têm tradutores disponíveis, 
tampouco material didático. O salário também não corresponde às suas 
expectativas.
Pais e alunos preocupados com exames
Esta
 é a terceira greve em menos de quatro anos no Ines, fundado pelo 
imperador Pedro II em 1856 e reconhecido nacionalmente como ícone na 
educação de alunos com deficiência auditiva. A paralisação segue o 
movimento feito por servidores federais, que já atingiu universidades, 
hospitais e o Colégio Pedro II.
Não se sabe ao certo qual é a 
adesão do movimento grevista. Enquanto professores de braços cruzados 
falam em percentuais entre 70 e 80%, a direção do Ines diz que somente 
60 dos 340 funcionários efetivos estariam parados.
Certos são 
mesmo os casos de alunos sem aulas. De olho em uma vaga em uma 
universidade federal para cursar Teatro, o estudante Miguel Oliveira de 
Carvalho, de 17 anos, confessa que não está conseguindo se preparar como
 gostaria para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que terá provas 
em novembro. Com ajuda de intérprete, Miguel disse ao GLOBO que está sem
 aulas de Português, Matemática, Literatura e História. O modo como 
gesticula com as mãos dá ênfase ao discurso:
— Entrei aqui 
criança, em 2001, e fico angustiado de não conseguir aprender as 
disciplinas direito. Daí eu fico me perguntando como vou conseguir 
sobreviver lá fora — desabafa.
A
 situação é agravada pelo fato de, geralmente, alunos surdos dominarem 
primeiro os códigos comunicativos da Libras para, só depois, imergirem 
na língua portuguesa. Sem aulas de Português, Miguel prevê que esta será
 sua maior dificuldade no vestibular:
— Nem posso imaginar como farei a parte de interpretação de texto da prova. Para mim, isso é o mais difícil — afirma.
Quem
 também entrou no Ines em 2001 foi Manoel Oliveira de Carvalho, de 14 
anos, irmão mais novo de Miguel. Matriculado na 8ª série do ensino 
fundamental, Manoel alega que não conseguiu assimilar grande parte do 
conteúdo pedagógico por conta das sucessivas greves. Ambos os irmãos 
passaram por três paralisações no Ines.
— Com a quantidade de 
interrupções, não conseguimos desenvolver um raciocínio contínuo das 
disciplinas. Assim vai ficar muito mais difícil para fazermos provas lá 
fora e sairmos daqui — disse Manoel, que está sem aulas de Português, 
Literatura, Matemática, Geografia e História.
Em todo o Brasil, 
são quase 10 milhões de surdos e pessoas com deficiência auditiva. Do 
total, por volta de 800 mil têm até 17 anos, segundo o Censo de 2010 do 
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E, deles, apenas
 um quarto está matriculado em escolas especiais como o Ines.
Com 
poucos colégios preparados adequadamente para receber os alunos surdos, 
além do receio de que o ensino regular possa não assegurar uma educação 
de qualidade a seus filhos, muitos pais se veem na berlinda. É o caso do
 taxista Antônio Soares de Carvalho, pai de Miguel e Manoel. No mês 
passado, ele entrou com uma ação contra a Associação dos Servidores do 
Ines (Assines) alegando abuso do direito de greve. Ele se diz preocupado
 com o futuro dos filhos.
— Aqui em casa não é igual a outros 
lares onde os pais podem ajudar os filhos nos estudos, ensinando 
História ou Matemática. Quando uma paralisação atinge alunos surdos, 
fica mais difícil transferi-los para outros colégios. São o Estatuto da 
Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei de Diretrizes da Educação Básica 
(LDB) que me asseguram que lugar de criança é na escola. Então eu quero 
apenas exercer esse direito — reivindica.
Falta de preparo na língua de sinais
A
 paralisação feita pela Assines segue a greve nacional dos servidores 
federais, que dentre outros pontos pedem reajustes salariais. 
Professores e funcionários do Ines, no entanto, têm pauta própria de 
reivindicações que vai além do contracheque. A principal reclamação, 
segundo eles, é a falta de preparo para o ensino em Libras. Os docentes 
aprovados em concurso público para o instituto, com graduação, têm hoje 
apenas um mês de aula na língua dos sinais. A partir daí, todos já vão 
para as salas de aula. Esse tempo de preparo prévio é insuficiente, na 
visão dos grevistas. 
— É a mesma coisa que não saber inglês e ter
 de dar aulas de História para alunos nativos na língua inglesa — diz o 
professor de História Adriano Carmelo Vitorino Zão. — Nesse curso 
intensivo que recebemos no Ines, aprendemos apenas o básico de Libras. 
Eu ainda não consigo explicar conceitos que utilizem palavras mais 
abstratas, como democracia — conta. 
O Ines oferece intérpretes 
para que docentes na fase inicial possam lecionar com auxílio da 
tradução, mas o número de profissionais hoje no instituto seria 
insuficiente para atender a demanda. Atualmente, o Ines tem cerca de 220
 professores que contam com a ajuda de mais de 50 intérpretes. Outra 
reclamação é quanto à falta de material pedagógico disponível na 
linguagem de sinais. Hoje, o colégio conta com bom acervo de livros 
didáticos, mas, de acordo com os grevistas, ainda faltam obras com 
instruções em Libras. Eles afirmam que a orientação da direção do 
instituto é que todos os professores produzam suas próprias apostilas. 
E, se muitos já alegam não ter domínio ainda na língua de sinais, 
escrever um livro adaptado para o idioma seria ainda mais complicado.
—
 O que pedimos aos pais é que eles entendam que nossas reivindicações 
visam principalmente a oferecer uma educação de qualidade aos seus 
filhos. Como podemos dar aulas e produzir material pedagógico sem bom 
domínio em Libras? — indaga a professora de Português Aline Dias. 
Além
 de turmas de educação infantil, o Ines abriga cerca de 480 alunos dos 
ensino fundamental e médio e outros 200 que cursam Pedagogia em Libras, 
curso de graduação em nível superior. Dados do portal Transparência 
Brasil do governo federal mostram que, somente em 2013, o instituto 
recebeu R$ 85 milhões vindos de Brasília, número superior aos R$ 71 
milhões de 2012. Nos sete primeiros meses deste ano, o Ines já recebeu 
outros R$ 30 milhões.
Diretora pede dedicação do corpo docente
A
 diretora do Ines, Solange Maria da Rocha, defende a política do 
instituto de colocar os professores nas salas de aula logo nos primeiros
 momentos. Segundo ela, isso faz parte da “imersão” do profissional no 
novo ambiente de língua diferente, princípio semelhante a um programa de
 intercâmbio no exterior. Solange ressalta ainda que o Ines oferece 
aulas extras de Libras por um período de dois anos e meio, mas poucos 
professores compareceriam: 
— Não existe no mundo professores que 
fiquem dois anos e meio só estudando Libras para depois começar a dar 
aulas. Isso não existe. O mais importante para nós é que eles entrem 
logo em contato com os alunos, aprendendo as características da língua 
deles. E para quem tiver dificuldades, oferecemos intérpretes em número 
suficiente — defende. 
Quanto à produção de material pedagógico, 
Solange confirma que faz parte do modus operandi do Ines que professores
 façam as próprias apostilas: 
— Espero sinceramente que eles 
produzam. Somos um instituto de surdos de referência nacional e até 
mundial. Não podemos ficar dependentes de livros que vêm de São Paulo. 
Uma das funções dos professores aprovados em concurso público é 
justamente essa.

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