Eu perdi a audição por volta de um ano e sete meses de idade. A causa mais cogitada é infecção nos ouvidos, que atingiu a minha cóclea.
Fui bastante estimulada por toda a 
família que é numerosa do lado paterno e materno e tenho sete irmãos. 
Então graças à família numerosa eu vivia dialogando e isso contribuiu 
bastante no desenvolvimento da minha fala. Minha mãe, avós e tias são da
 área da educação e esse também foi o diferencial na decisão da escolha 
da escola regular por onde estudei por anos – Instituto Montessori 
Criança Feliz em Belo Horizonte MG – e lá fui muito bem assistida e 
feliz. Sempre estudei em escola regular, na mesma turma que os ouvintes e não aprendi a LIBRAS
 – Língua Brasileira de Sinais, tampouco necessitei dela. A minha mãe 
sempre foi a favor da minha oralização. Na época (anos 80), na cidade 
onde eu morei, as escolas “especializadas” em surdos misturavam os 
surdos com deficientes mentais na mesma sala. AINDA BEM que minha mãe me
 poupou disso! Pois imagino eu, que se eu tivesse sido 
matriculada neste tipo de escola, com certeza eu não seria tão bem 
estimulada como fui e eu não teria me tornado a pessoa que sou hoje: 
independente, extrovertida, sociável, observadora, esperta e muito 
tagarela,rs!
Em 1985 eu iniciei o acompanhamento com 
uma excelente psicopedagoga dos quatro anos até os dez anos de idade, 
pois não existia o profissional de fonoaudiologia na minha cidade. Esta 
psicopedagoga tem uma filha surda e por este motivo ela teve todo o tato
 e sensibilidade ao desenvolver e me preparar para o mundo da melhor 
maneira possível. Ela se tornou uma grande amiga. Também devo muito a 
ela pelo meu progresso. Foi através dela que desde pequena eu 
aprimorei a minha leitura labial, a minha fala e a capacidade cognitiva.
 O amor dela por mim fez tamanha diferença na minha vida.
Eu usei o AASI – Aparelho de 
Amplificação Sonora Individual no ouvido direito dos meus quatro anos 
aos dezessete anos, mas sem nenhum ganho auditivo. Usava-o por 
imposição familiar. De certa forma o AASI me ajudou apenas na direção 
sonora, mas nunca discriminei uma palavra com ele. Eu não gostava de 
usá-lo, pois com ele todos os barulhos do ambiente ao mesmo tempo eram 
como se fossem um só barulho. Com ele eu era incapaz de discriminar os 
vários barulhos ao meu redor ao mesmo tempo.
Na infância eu sofri muito bullyng na escola.
 Mas eu não deixava barato, enfrentava com braveza quem me discriminava.
 Na adolescência eu conquistei o respeito dos colegas do colégio através
 dos esportes, pois eu era uma das melhores atletas e sempre me 
destacava nas olimpíadas esportivas. Ali o preconceito diminuiu um 
pouco. E dos dez anos até dezessete anos eu fui atleta de vôlei de um 
clube, sendo federada. Fui levantadora titular do time e tive um ótimo 
entrosamento com a equipe. Eu tirava proveito, pois nos jogos eu lia os 
lábios das jogadoras da outra equipe e deduzia as estratégias de ataque e
 então eu avisava o meu time. Depois que me aposentei dos esportes, ao 
iniciar a faculdade eu me enveredei no mundo da dança de salão. Fui 
monitora de dança de salão numa academia de dança e amo dançar! Meu 
ritmo preferido é o forró e modéstia a parte, eu danço muito bem. Na 
dança, eu já não usava mais o AASI.
Formei-me em administração de empresas e fiz MBA em Gestão Estratégica de Negócios.
 Nunca precisei de intérprete, afinal, eu sou oralizada, faço leitura 
labial com louvor e não sei nada de LIBRAS – Língua Brasileira dos 
Sinais. Mas não foi fácil, dificuldades eu sempre encontrei no caminho e
 elas foram essenciais para o meu amadurecimento. Tive muito jogo de 
cintura nas salas de aula, procurei sensibilizar os professores da 
maneira mais cativa e os livros e colegas eram o meu refúgio quando eu 
não conseguia captar a matéria.
Eu sempre fui uma pessoa bem 
resolvida com a minha deficiência auditiva, e creio que o fato de eu ter
 ficado surda tão pequenina fez-me encarar a surdez como parte de mim, 
como algo natural, embora eu me sentisse como uma ouvinte, pois eu tinha
 uma vida tão normal e independente e o meu convívio sempre foi com 
ouvintes.
O implante coclear entrou na minha vida em 2013 e
 eu já havia me mudado para Santa Catarina a trabalho. E então fui 
incentivada por uma nova amiga fonoaudióloga que não se conformava por 
eu não usar o AASI e ter uma boa desenvoltura na fala. Naquela altura do
 campeonato eu já não tinha mais esperança que os AASI de última geração
 pudessem me dar uma audição de verdade, devido às minhas experiências 
frustrantes com os AASI que tive. E foi essa insistência amigável que me
 levou a investigar os meus ouvidos e descobrir o que de fato estava 
errado neles uma vez que a medicina auditiva evoluiu tanto. O 
destino me levou para Vitória-ES e corajosamente eu decidi fazer o 
implante coclear bilateral e “pagar pra ver” a diferença que ele faria 
na minha vida…ainda incrédula, confesso. Eu estava tão segura 
da minha decisão, pois além de eu sentir a bênção de Deus, eu não tinha 
nada a perder. Afinal, caso desse errado não ia mudar em nada na minha 
vida e eu continuaria levando a vida numa boa e com a mesma leveza de 
antes e tão em paz com o silêncio. No dia 13 de dezembro de 
2013, após 32 anos de privação sonora (não conto com o tempo que usei o 
AASI pois ele foi ineficaz para mim) eu fui ativada e desde o primeiro 
dia foi amor à primeira vista com o mundo dos sons! <3 strong="">3>
Eu jamais imaginei que o implante coclear pudesse me trazer tanta, mas tanta felicidade!!!
Descreverei as primeiras emoções sonoras depois de dois dias ativada:- Ouvir música (apenas o ritmo) no táxi (estava tocando Cazuza) e ao mesmo tempo a conversa entre meu pai e o taxista. Eu CONSEGUI diferenciar a música e a conversa paralela e ainda “viajar” na música!! QUASE PIREI!!
 - Ouvir as vozinhas mais gostosas e doces da face da terra: meus amados sobrinhos Helena de 3 anos e Davi de 2 anos dizendo “Tia Cacaiaaaa”!! MORRI DE AMORES!!
 - Ouvir pela primeira vez o interfone da casa da minha avó. Eu quis entrar e apertei o interfone e ouvi o vozeirão do meu irmão dizendo o óbvio,rs: “Quem é?” Antes eu colocava os dedos no interfone pra sentir a vibração e responder na hora certa e não parecer uma doida na rua falando sozinha “é cacaia, é cacaia”, rsrsrs
 - Ouvir a turbina do avião e ao mesmo tempo a voz da comissária de bordo no avião…engraçado, pois viajar de avião para mim é tão comum que de repente eu percebi ali algo diferente, só por ouvir!
 - À noite fui até a praia onde moro e só havia eu, o mar e DEUS! Foi SENSACIONAL ouvir o vento, o mar e os piados das corujas buraqueiras que ali habitam! Fechei os olhos, degustei os chocolates de amarula e mergulhei no ÊXTASE!!
 - Eu estava na cozinha e o meu cãozinho Tinoco estava no andar de cima, eu o chamei e OUVI os passinhos dele descendo a escada!! Não me contive, caí num choro longo de alegria abraçada com o meu Tinoquinho!
 
SENHOR, OBRIGADA, OBRIGADA, OBRIGADA pelo milagre da minha audição!!! Eu não sabia que seria tão bom ouvir!! Haja coração!! Nesta noite eu dormi com um sorriso no rosto e com a alma e coração em paz!
Devo MUITO a Deus por tocar e preparar 
toda a minha família para me guiarem no caminho certo. E também sou 
eternamente grata pela psicopedagoga-fono, pelo maravilhoso trabalho, 
sensibilidade, profissionalismo e amizade comigo, atributos que 
trouxeram ótimos resultados na minha vida. Deus em sua infinita 
misericórdia me proporcionou uma vida tão abençoada. Ele me deu forças 
para encarar todos os obstáculos do preconceito, das dificuldades, 
adversidades e principalmente aos desafios da vida. Louvo a Ele por 
tudo, pelo milagre da minha audição através do implante coclear. Hoje eu sou uma pessoa muito, mas muito, muito, muito FELIZ!
Maria Clara Dornellas, 33 anos.’http://cronicasdasurdez.com/surda-pre-lingual-e-biimplantada-a-historia-da-cacaia/?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+CronicasSurdez+%28Cr%C3%B4nicas+da+Surdez%29

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