A deficiência reversível
Ainda não caiu no senso comum no Brasil, nem mesmo entre a 
classe médica, mas existe uma deficiência que é altamente reversível nos
 dias atuais: a surdez, em algumas condições.
“Aí, tiozão, pirou de vez?”
Não, meu povo. A tecnologia, felizmente, já consegue fazer uns 
‘ziriguiduns’ no cérebro que são capazes de, grosso modo, reprogramar o 
escutador de novela avariado que volta a ‘funfar’ de uma maneira que 
beira ao milagre.
Digo isso a vocês porque acompanho um desses processo há uns dois 
anos por meio de uma de minhas primeiras leitoras mais fiéis, que se 
chama Lak Lobato.
Quando a conheci, ela fazia leitura labial para entender o que os 
outros falavam e pronunciava com alguma dificuldade, com um ruído na 
voz.
Lak perdeu quase toda audição na infância e cresceu surda. Mais 
tarde, bem mais tarde, conheceu uma alternativa para reativar o sentido 
perdido. Incrível.
Dia desses, em um dos meus plantões de final de semana, o telefone tocou e….
“Zairo….? Tudo bem? É a Lak!”
E a moça que não ouvia, agora, consegue até bater papo ao celular. O resto da história, ela mesma conta.
Importante é circularmos a informação, popularizar o tratamento (que 
nem todas as pessoas, infelizmente, conseguem ter resultado) e cobrar 
mais incentivo à ciência, à tecnologia séria que vai dar mais qualidade 
de vida para todos!
♥
“O dia em que voltei a ouvir”
Algo que muita gente não sabe é que, de 
certa forma, todos somos capazes de fazer milagres. E o meu , foi um 
milagre feito a muitas mãos, mas tudo começou aqui no Assim Como Você. 
Lembro que há três anos e meio, vagueava
 na internet, na minha primeira semana de trabalho – e estava sem ter o 
que fazer – numa agência (sou publicitária) e cai nesse blog. 
 Identifiquei-me com a linguagem leve, de quem fala de deficiência sem 
pesar, sem mágoas, sem coitadismos.
Porque perdi a audição cedo, aos 10 anos
 de idade e me sentia meio diferente da maioria das pessoas ao meu 
redor. Muito porque a surdez não me privou do contato com as pessoas, só
 limitou um pouco. Sempre falei oralmente e sempre li lábios, o que já 
me colocava distante da maioria dos surdos, que utilizam a língua de 
sinais como forma de comunicação.
Aqui no ACV, pela primeira vez, eu me 
senti em casa. Não sei explicar essa união simbiótica que existe entre 
os leitores do blog. E justamente 
por me sentir bem, comecei a falar mais do assunto e acabei criando o 
próprio cantinho de textos, o “Desculpe, não ouvi!”, vulgo DNO. (clique 
no bozo para acessar!) 
Foi de lá que, escrevendo sobre surdez 
com foco exclusivo nos surdos que não usam a língua de sinais, um grupo 
pouco conhecido, veio a vontade de ouvir um pouco melhor do que os 
aparelhos que eu usava me permitiam. Por causa do blog, conversei com 
muitos usuários do Implante Coclear, que é uma tecnologia disponível que
 permite que deficientes auditivos de grau severo/profundo tenham acesso
 aos sons.
E, apesar de morrer de medo da 
anestesia, acabei encarando fazer essa cirurgia em outubro de 2009, que 
foi o despertar de todo um renascimento sonoro. A experiência está 
totalmente documentada na internet. Foi um momento lindo, com milhares 
de descobertas diárias de sons.
Meus textos acabaram servindo também de 
inspiração para muitas pessoas, com casos similares e outros nem tanto, 
buscarem o IC também. Acabei virando uma espécie de poetiza da 
comunidade implantada. Viajei para encontros de usuários do IC, dei 
palestras, entrevistas, gravei documentários. Tudo porque eu colocava 
poesia em cada som que ouvia, declarava o imenso prazer de sair daquela 
clausura silenciosa de quase três décadas.
Mas, apesar do entusiasmo, eu ainda 
dependia da leitura labial. Meu IC foi um sucesso no ponto de vista 
emocional, mas não auditivo. Minha cóclea, onde é inserido o feixe de 
eletrodos que substituem as células ciliadas da audição, não estava em 
bom estado físico e, dos 22 eletrodos de um feixe completo, somente 18 
foram inseridos e 15 ativados.
Ainda assim, não me era motivo de 
desânimo ou tristeza. Sou surda desde os 10 anos e, apesar de ter 
encarado uma cirurgia para ouvir de novo, não tinha problema não ter 
conseguido isso plenamente. Minha surdez é parte de quem eu sou…
Meu médico sempre insistiu para que eu 
tentasse o IC no outro ouvido ainda não implantado, o direito. Ele 
achava que a chance de ter um ganho melhor era grande e a gente deveria 
tentar. Pior que já estava, certamente não ficaria…
Demorei exatos três anos para criar 
coragem. Muito mais pela preguiça dos ‘trocentos’ mapeamentos que o 
primeiro ano de implantada exige (mapeamentos são as programações 
feitas, aos poucos, para ajustar o som até ele ficar adequado ao tipo 
particular de perda auditiva que cada implantado tem), do que aversão a 
uma nova cirurgia.
A única coisa que pedi pro médico foi 
pra ele tentar o impossível para incluir todos os 22 eletrodos, porque 
sabia que os eletrodos a menos afetavam as frequências da fala e me 
obrigavam a continuar dependendo da leitura labial.
Todos os especialistas diziam, pelo 
tempo que fiquei sem ouvir (eram quase 26 anos) os resultados, a revelia
 da quantidade de eletrodos, iriam ser demorados e dependeriam de 
treino.
Pois bem, fiz a segunda cirurgia e, 
assim que acordada da anestesia, tive a confirmação que, daquela vez, a 
cóclea estava perfeita e foi possível inserir todos os 22 eletrodos 
facilmente. Chorei tanto quando tive a notícia, que parecia que eu já 
sabia tudo que me aguardava a partir dali. 
São 30 dias entre a cirurgia e a 
ativação do aparelho e, pra mim, parecia que o tempo não passava. Acho 
que atormentei todas as pessoas ao meu redor por conta da ansiedade.
Quando ativei o aparelho, foi de acordo 
com o esperado. Bem baixinho e tudo o que ouvia se parecia com sinos. É,
 seria necessário esperar, quem saberia dizer quanto tempo?
Nove dias depois, Jairo fez aniversário 
(citando o fato só para ilustrar a coincidência!) e fizemos uma festa 
surpresa pra ele. Foi tudo lindo e perfeito, como deveria ser. Saindo da
 festa, peguei um táxi com o marido, já tarde da noite e eu estava 
olhando para o meu celular, quando ouvi a voz do Eduardo, claramente, 
dizendo “Passa em frente ao aeroporto e vira à direita”.
Foi o maior susto da minha vida! Vinte e
 cinco anos sem entender claramente sequer uma palavra sem ler lábios e 
entendi uma explicação complexa apenas nove dias depois de ativada.
No dia seguinte, tentei ouvir a primeira
 música – porque, embora eu conseguisse ouvir a melodia, com o IC 
esquerdo, eu não conseguia entender a letra – e foi um sucesso. Chorei 
rios de lágrimas por conseguir algo que, para todos os efeitos, estava 
totalmente fora do meu alcance. Cheguei a achar, de verdade, que nunca 
mais poderia fazer isso. E pude! Graças ao implante coclear.
A partir daí, comecei a tentar conversar com as pessoas sem olhar pra elas, para treinar entendê-las sem fazer leitura labial.
Duas semanas depois, veio um novo 
desafio: tentar utilizar o telefone. Para quem depende de leitura 
labial, esse é o desafio máximo, porque é somente o som que é 
transmitido pelo telefone, sem nenhum apoio visual, portanto, é a coisa 
mais difícil para a gente fazer. A primeira ligação foi de brincadeira 
com o Edu, que estava na sala e eu, no quarto. Não foi difícil, porque 
estou acostumada com a voz dele. Depois, fiz uma tentativa insana, 
liguei para minha melhor amiga, do nada. A conversa foi rápida, mas 
perfeita!  
É claro que ainda tenho chão pela 
frente, meu cérebro está reaprendendo a ouvir, coisa que não fez por 
duas décadas e meia. Mas, cada conquista minha é festejada, vira poesia,
 vira inspiração para muita gente. Eu me divirto de entender as frases 
ditas por gravação no edifício onde trabalho, com as coisas que as 
pessoas falam durante o abraço, de entender a conversa alheia da qual 
não faço parte, com a sensação de que os sons estão dentro da minha 
cabeça, porque a diferença de ouvir bem com dois ouvidos, de um só, é 
basicamente essa, com os dois, a sensação que dá é que o barulho entra 
diretamente no seu cérebro…
Ainda tenho minhas limitações, 
obviamente. O IC não curou a minha surdez, só me deu acesso aos sons. 
Sou péssima para entender em locais barulhentos (nesse caso, recorro à 
leitura labial), meu IC depende de pilha (ou seja, ela pode acabar em 
momentos imprevistos) e tenho que tirá-lo para dormir e tomar banho. 
Portanto, a praia continua tendo que ser curtida em silêncio.
Porém, independentemente de quaisquer 
limitações que o IC possa vir a ter, admito que vivo em estado de graça.
 Meu pai fez aniversário nesse meio tempo e pude, pela primeira vez na 
vida, fazer um simples telefone para desejar feliz aniversário.
Percebo que sou uma criança deslumbrada,
 no corpo de uma pessoa adulta. Quase tudo que tem a ver com som me é 
novidade. Me delicio, me divirto, me encanto, depois de quase três 
décadas de silêncio, com tudo o que é sonoro!
Jairo, de verdade, você pode dizer que seu blog é capaz de tudo, inclusive de milagres! O meu foi um deles!
Beijinhos sonoros!
 http://assimcomovoce.blogfolha.uol.com.br/2013/03/04/a-deficiencia-reversivel/

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