Coloquei na FanPage do Crônicas o link para um post de 2012 cujo título é “A surdez também me entristece“. Me surpreendi pois quase 20.000 pessoas
 visualizaram o post por causa disso, e era um post antigo de três anos 
atrás. Foi então que comecei a pensar no que mudou para mim de lá pra 
cá, e mexendo no meu celular encontrei uma foto que ilustra com 
perfeição a pessoa que eu era em 2012. É essa foto abaixo.
Neste dia, eu estava num restaurante em Campos do Jordão
 após dar uma palestra na FORL, com um grupo de fonoaudiólogas e a minha
 mãe (inclusive foi ela que tirou essa foto). Completamente esgotada por
 ter ficado acompanhando bocas o dia inteiro para poder fazer leitura 
labial ainda tive coragem de aceitar um convite para jantar. Acabou que 
obviamente não fui capaz de acompanhar várias bocas num restaurante 
barulhento e escuro e acabei dormindo sentada na mesa, 
enquanto a conversa corria solta ao meu redor. Quando me lembro disso 
sinto muita tristeza por aquele tempo porque hoje minha vida é 
completamente diferente nesse sentido. Sair para jantar não é mais um 
martírio, algo que me esgota e me faz voltar para casa mal por não ter 
sido capaz de acompanhar nada. Olho para essa foto e penso como era 
doído ter que lidar com esse sentimento de frustração frequente em 
momentos que deveriam ser de alegria. Como é que a gente 
consegue mesmo? De onde é que a gente tira forças? Como é que a gente 
segue a vida sem sucumbir à toda solidão e isolamento que a surdez nos 
traz? Hoje tudo ficou mais fácil para mim por causa do implante
 coclear, mas sei que milhares de vocês que estão atrás da tela do 
computador ainda convivem com essas sensações – por isso considero TÃO 
importante falar sobre elas. Merecemos um grande crédito pela nossa 
capacidade de continuar tocando a vida apesar de toda a carga psicológica negativa que vem junto com a deficiência auditiva. Acho que o segredo é não desistir – e buscar sempre tudo o que a tecnologia tiver para nos oferecer. Quem convive com a deficiência auditiva vive num estado de esforço constante:
 esforço para pegar o fio da meada nas conversas, esforço para ouvir, 
esforço para entender o que ouviu, esforço para não desmoronar com as 
gracinhas alheias, esforço para não sucumbir à tristeza, esforço para 
aguentar o dia inteiro no trabalho fazendo leitura labial e depois 
chegar em casa e continuar lendo os lábios da família, esforço para 
encontrar felicidade no meio do caminho entre o som e o silêncio, 
esforço para se adaptar aos aparelhos auditivos, esforço para se adaptar
 ao implante coclear… Todos os ouvintes que eu conheço acham que isso é 
‘fichinha’, e só mudam de idéia quando eles mesmos experimentam a perda auditiva.
Dia desses na Sonora encontrei um paciente recém-implantado
 e ficamos conversando. Percebi no olhar dele o meu olhar de 2012: 
atento, olhos arregalados, vidrado nas bocas e sempre dando uma 
conferida para ver se há algo mais acontecendo. Eu disse a ele: “Daqui
 alguns meses, quando você já tiver ativado o IC e se acostumado um 
pouco com ele, você vai relaxar. Vai perder essa necessidade de estar 
sempre alerta” E ele me olhou com um semblante de ‘alguém que sabe como me sinto’ e me disse: “Estou
 cansado. Chego em casa esgotado todos os dias. Explico para a minha 
esposa que não é que não queira prestar atenção no que ela diz, apenas 
não aguento mais após um dia inteiro trabalhando“
Nossa conversa me fez pensar nessa foto acima, momentos antes de ativar o meu IC dia 11/11/2013.
 Fui sem expectativa nenhuma, preparada para o pior. Mas nas minhas 
conversas comigo mesma eu desejava ardentemente que aquilo me libertasse
 de duas coisas: do cansaço e do isolamento que a surdez me causava.
 Acho que alguns estragos psicológico que a surdez faz conosco ficam 
pelo resto da vida. Não é fácil conviver com uma deficiência que compromete nossa comunicação e interação em todos os aspectos da vida: em casa, no trabalho, com os amigos, em viagens, nos momentos de lazer, nos relacionamentos amorosos…
A maior tristeza que a surdez me trazia é que eu me sentia prisioneira dentro de mim mesma.
 Prisioneira dentro da minha própria cabeça. Prisioneira de uma bolha de
 silêncio solitária que eu não conseguia furar nem a marretadas. Eu 
tinha a nítida sensação de que meu corpo e minha mente eram como uma 
masmorra – e por mais que lançasse minhas tranças lá de cima, nunca 
alcançava o chão. E por tudo isso penso que temos que enfrentar essa tristeza com coragem: eu
 me dei bem com o implante coclear, mas vocês acham que foi fácil tomar a
 decisão de fazê-lo e que a adaptação foi moleza? A dor de ficar como 
estava era maior que a dor de tentar o IC, e foi isso que me moveu. E 
isso é um bom motivo para mover aqueles que precisam usar AASI e estão 
paralisados de raiva por isso.
Até hoje lido com o zumbido
 no ouvido esquerdo, e em alguns dias isso me irrita tanto! Queria que 
essa maldição chamada zumbido desaparecesse da minha vida – é tão deprê 
pensar que uma das lembranças mais fortes que tenho da minha infância é a
 dele! Parece que a surdez nunca dá trégua (afinal, meu zumbido é ligado
 a ela).
Se alguém me perguntasse qual tristeza a
 surdez me causa hoje, a única coisa que me vem à cabeça é o fato de não
 ter mais a capacidade de captar a beleza e todas as nuances da música. O
 prazer e ouvir e conseguir entender as letras (nem sempre mas quase 
sempre, nem 100% também) já é mais do que suficiente para mim. Mas é 
chato ir numa apresentação de piano e achar tudo igual e sem graça, por 
exemplo. Mais chato ainda é saber que num ambiente com uma música 
clássica tocando eu serei a única a não percebê-la tal qual os ouvintes –
 no fim sei que a questão música é a única que ainda me faz sentir em 
desigualdade com quem ouve naturalmente. Já dizia o Caio Fernando Abreu:
 “Há sempre algo que falta. Guarde isso sem dor, embora, em segredo, doa.”
Eu sei bem que é difícil falarmos sobre as tristezas da surdez com aqueles que nos rodeiam, principalmente porque eles ouvem.
 É como falar sobre traição com quem nunca foi traído, ou falar de dieta
 com quem nunca precisou emagrecer. Mas é preciso falar sobre elas, 
porque, como diz uma frase que li por aí uma vez, ‘a palavra mata a 
coisa’. Quando verbalizamos sobre algo que nos incomoda muito parece que
 essa ‘coisa’ perde a magnitude e o poder que tem sobre nós. Talvez
 eu passe o resto dos meus dias catalogando, revisando e arquivando 
sentimentos relacionados à tudo que a surdez já me causou, me fez e me 
faz passar.
 http://cronicasdasurdez.com/sobre-as-tristezas-que-a-surdez-nos-traz/?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+CronicasSurdez+%28Cr%C3%B4nicas+da+Surdez%29

Nenhum comentário:
Postar um comentário
COMENTE AQUI NO BLOG!!!
SEU COMENTÁRIO FAZ TODA DIFERENÇA!!!
Um comentário é o que você pensa, sua opinião, alguma coisa que você quer falar comigo.
BJOS SINALIZADOS.