Um desabafo: a surdez também me entristece
Sempre busquei fazer do Crônicas
 um espaço no qual não fosse permitido que a gente desabasse se 
lamentando. E esses dias fiquei pensando nesse assunto. Percebi que 
nunca escrevi um post-lamentação, e pode ser que, em 
função disso, às vezes eu passe a impressão errada. Não sou nenhum robô 
sem sentimentos que não se afeta com a deficiência auditiva. Muito pelo contrário. Às vezes (e não são poucas hein) o fato de não ouvir
 me enerva num grau tão tremendo que, pra não estourar a cabeça, desligo
 os AASI e me refugio no silêncio. Não passo 24 horas por dia pensando 
nesse assunto, não tenho vontade nem paciência de ‘viver’ a deficiência 
auditiva (tem coisa mais chata do que gente que SÓ fala nisso) e vivo um
 dia de cada vez. Só que, de vez em quando, parece que a vida vem e me 
dá um soco na cara como se quisesse me mandar um recadinho. “Você não escuta!!”.
Há algo que me entristece horrores, e quem também possui deficiência auditiva progressiva
 vai se identificar comigo. É a perda gradual e quase imperceptível da 
minha capacidade de ouvir muitas coisas que no passado eu ouvia sem 
esforço. Quando estou ao lado de um aspirador lembro que até alguns anos
 atrás o som daquilo (isso sem usar AASI) me deixava louca. Hoje, sem 
aparelho auditivo, um aspirador de pó e uma parede estão na mesma 
categoria silenciosa pra mim. Desesperador mesmo é ir ‘perdendo’ as 
vozes das pessoas que amo. Embora meu cérebro me engane enquanto faço 
leitura labial com aquela memória auditiva ‘fantasma’, sem AASI hoje nem
 mesmo a voz do meu irmão ouço mais. Pensar nesse fato é algo que evito 
com toda a força possível fazer porque, convenhamos, é muito deprimente. E há também aquela sensação de um certo distanciamento
 das pessoas que, antigamente, eram iguais a mim. Sinto como se quem 
ouve tivesse virado um ET -  já não vivenciamos as mesmas coisas. É 
difícil encontrar pessoas com as quais eu queira estar, e cada vez mais 
me sinto confortável com aquelas que já me conhecem há milênios. Vou 
perdendo bastante a paciência de ficar explicando as 1001 diferenças que
 tenho com qualquer pessoa nova. Solidão ligou e mandou lembranças…  
 
Acho que desenvolvi um mecanismo de defesa louco, porque automaticamente me proíbo de afundar.
 E isso é algo que quem convive com a deficiência auditiva tem que 
cuidar, prestar atenção – afinal, é facílimo se render para a melancolia
 e o desatino emocional que vêm junto com o silêncio. Tenho tanto 
caminho a trilhar ainda…não faço nem idéia de quanto tempo mais meus 
aparelhos auditivos vão me ajudar. Depois disso vou ter que passar pela 
saga do implante coclear, duas cirurgias (vou querer bilateral, 
claaaro), adaptação a um novo modo de ouvir. Tanta coisa!! Por isso acho
 mais saudável deixar a tristeza passageira de lado e focar no agora, no hoje. Ficar antecipando desgraça não dá, né gente?
Não conheço experiência mais solitária do que a surdez. É realmente fácil entrar em depressão e construir um muro das lamentações. E é bizarro perceber que é uma vivência TÃO eu-comigo-mesma
 que nem adianta tentar chorar as pitangas para as pessoas próximas: 
elas ouvem e não fazem a mínima idéia do que é ser privado disso. Por 
isso que gosto de puxar meu foco sempre pro lado contrário. Posso não ouvir mais $#@*& nenhuma hoje em dia com minhas ricas orelhinhas, mas GRAÇAS A DEUS pela tecnologia que me traz de volta ao mundo dos sons.
 Só não sente falta quem nunca esteve nele; só considera a falta de 
audição uma mera ‘diferença cultural’ quem nunca teve o prazer de 
usufruir desse sentido.
PS: vocês viram que o Canal Sony agora passa a série Switched at Birth
 todo domingo às 11 da manhã? Legendada, ufa! Imaginem uma série metade 
baseada numa personagem surda dublada, aí seria caso de polícia!
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