Carta aos Presidenciáveis: Por que desprezam quem precisa de acessibilidade? Será que não querem o nosso voto?
Caríssimos candidatos Dilma Rousseff, Marina Silva e Aécio Neves,
Desalentada com a escassez de informações apresentadas nos programas 
eleitorais, resolvi acessar os sites oficiais de campanha, na esperança 
de encontrar esclarecimentos sobre as principais diferenças 
programáticas, ou seja, sobre o que eu poderia esperar do futuro do 
Brasil com cada um dos senhores na presidência, já que são os candidatos
 com chances reais nessa eleição. E decidi começar pelo site da 
Presidenta Dilma: http://www.dilma.com.br/. 
Neste ponto, preciso abrir um parênteses para informá-los de que sou 
cega. Para usar o computador, utilizo um tipo de programa chamado leitor
 de telas; através de um sintetizador de voz, ele informa os textos e 
demais objetos que estão na tela, além de possibilitar a interação com 
eles sem usar o mouse. Mas, como os programas são mais limitados que os 
seres humanos, toda essa maravilha só acontece se a codificação das 
páginas Web seguir os padrões de acessibilidade; padrões que existem 
internacionalmente (as WCAG são mais ou menos como as normas ISO) e 
nacionalmente (o Governo Eletrônico tem o eMAG, que é o modelo de 
acessibilidade). O cumprimento dessas diretrizes garante que, tanto as 
informações contidas na página, quanto as interações com os objetos 
(links, campos editáveis, botões, barras de rolagem, etc), poderão ser 
usufruídas em igualdade de condições, não só pelas pessoas cegas, como 
por todas aquelas que tenham alguma dificuldade para acessar a Web 
(falta de força ou de coordenação motora para usar o teclado ou o mouse,
 dautonismo, dentre outras situações). 
Voltando ao site de campanha da Dilma, logo no início, após o título "MAIS MUDANÇAS, MAIS FUTURO – Dilma Presidenta", encontrei a palavra "Escondido",
 que parece ser algum erro ou gatilho do código. Desta forma, 
"Escondido" está escondida para quem está vendo, mas está "visível" para
 quem não está vendo... Apesar da minha aversão ao lugar comum, não 
consegui deixar de me perguntar o que será que a Presidenta estará 
escondendo? Mas sigamos em frente, já que o meu objetivo é conhecer o 
programa. Um pouco mais adiante, encontrei uma lista com 6 itens 
semelhantes, dos quais, para poupá-los, mostrarei apenas um: "banners/5404a373a1272_1500".
 Essa coisa é o nome de uma imagem que está sendo mostrada, mas que não 
tem uma descrição alternativa em texto, que possa ser usada por 
programas leitores de telas e browsers que não processam imagens. E a 
gente tem que ouvir isso... 
Encurtando a história, depois de mais alguns percalços e muito 
bla-bla-bla, encontrei lá no finalzinho da página um link para "Programa
 de Governo". Isso mesmo: as notícias pontuais e descartáveis, que podem
 ser encontradas na mídia ou nas redes sociais, essas ganham destaque, 
enquanto o programa de governo, por ter tão pouca importância, fica lá 
no cantinho... Pouca? Talvez nenhuma, pois até mesmo na própria página 
do programa, o destaque não é para ele e sim para a participação do 
eleitor. Mas eu entrei no site oficial, não foi? Será que entrei no 
blog? Tudo bem, já que é assim, posso aproveitar para dar a minha 
sugestão para se preocuparem com a acessibilidade do site, se não por 
respeito, ao menos por interesse, já que também somos eleitores. Posso 
mesmo? Antes tenho que provar que sou gente, decifrando aqueles 
caracteres distorcidos... Tudo bem que tem uma opção em áudio para quem 
não pode ver; mas os dígitos são falados em inglês... Presidenta Dilma, 
será que todos os seus eleitores cegos sabem inglês?! Será que a língua 
oficial do Brasil mudou e eu nem fiquei sabendo? 
 Finalmente, o link para o programa ! Mas está dentro de uma imagem cuja
 descrição alternativa em texto está fora do padrão. E o programa está 
num arquivo no formato PDF, criado sem acessibilidade. Resumindo: 
problemas para encontrar o programa, para baixar, para abrir e para ler.
Presidenta Dilma, sei que pretende governar para todos os brasileiros. 
Mas, como conseguirá fazer isso, se não está sendo inclusiva nem nas 
ações da campanha?  
Já na página do Aécio, http://aecioneves.com.br/,
 a experiência foi bem diferente. Enquanto na página da Dilma encontrei 
barreiras no envio de mensagens, na do Aécio, nem digitei nada e já 
encontrei a mensagem: "Obrigado - Suas informações foram enviadas!" 
Confesso que fiquei duplamente paranóica. Será que eles coletam 
informações do nosso computador, ou lêem nosso pensamento? Creio que 
esta mensagem não esteja visível (não deixariam um furo desses com quem 
enxerga)... Mas, e o eleitor que não vê, mas lê a mensagem, será que não
 importa? E a dificuldade de interação não termina aí. No campo de 
cadastramento de e-mail, por exemplo, quem usa leitor de tela lê o 
seguinte: "home_slider/2fa595c093e445f897b54b20ae4a66b6   Cadastre seu e-mail". Minha sugestão é que, para quem usa programa leitor de telas, a mensagem seja a seguinte:
"Se você teve tempo e paciência para ler a tranqueira que está antes desta mensagem, parabéns! E agora cadastre seu e-mail!"
Enfim, encontrei uma lista de itens, denominados "plano" ou "propostas".
 E logo me interessei por um, o "Programa Brasil Acessível". Mas a 
alegria durou pouco. O texto é muito genérico, não dá para entender como
 serão as ações: não se fala em acessibilidade na educação, nem na 
cultura, nem na mídia, na informação, no transporte, no trabalho... Das 
três frases que compõem o "Programa Brasil Acessível", a mais específica
 é: "Financiamento de compra de equipamentos para o tratamento de 
pessoas com deficiência". Ou seja, se for para a educação, a cultura, o 
trabalho, não tem. Só se, além de deficiente, a pessoa for também 
doente; caso contrário, esquece!
Candidato Aécio, acredito que tenha as melhores intenções, mas está 
muito mal assessorado com relação à acessibilidade e às necessidades das
  pessoas com deficiência. Como pode prometer acessibilizar o Brasil, se
 não consegue acessibilizar nem o seu site de campanha?
E assim, depositei a derradeira esperança no site da Marina, http://marinasilva.org.br/,
 até porque ouvi nas suas propagandas que ela, sim, tinha programa, os 
outros não... E também porque não quero desistir do Brasil, nem da 
acessibilidade, nem de eleger um candidato pelo seu programa de 
governo... E não foi difícil encontrar o link para o programa de 
governo. Porém minha esperança acabou ali, já que o recurso utilizado 
para exibir o programa não é nada acessível. Enfim, depois de alguns 
travamentos do browser e de reiniciar o computador, consegui, nem sei 
como, acessar o texto do programa, onde pude ler, entre outras coisas, o
 seguinte: 
"O conceito de "pessoas com deficiência" tuais ou múltiplas. A participação plena e abrange condições variadas. As deficiências efetiva de milhões de pessoas com deficiênpodem ser sensoriais ou intelectuais, inatas cia, em igualdade de condições com as de- ou adquiridas, temporárias ou permanentes. mais pessoas, depende do modo como orga- Podem ter pouco impacto na capacidade de nizamos o funcionamento da sociedade. trabalho e na interação com o meio físico e Desde os anos 1960, observa-se a politisocial ou podem ter impacto significativo. zação do tema, liderada por ativistas e orga- Podem ser físicas, auditivas, visuais, intelec-nizações ao redor do mundo. Inicialmente, PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: REFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS"
Candidata Marina, não se preocupe, sei perfeitamente que não escreveu 
isto. A senhora, assim como a maioria das pessoas, provavelmente não 
sabe porque foi que eu li assim. Foi porque o programa estava num 
arquivo inacessível, editado em duas colunas, que o meu leitor de telas 
não conseguiu separar. 
E a novela não acaba aí. Além das barreiras de acessibilidade citadas, 
todos os três sites apresentam várias outras, como o baixo contraste e a
 estrutura incorreta de cabeçalhos, além daquelas que prejudicam todos 
os cidadãos, como a baixíssima performance dos sites, o excesso de 
elementos na página, a falta de versões para dispositivos móveis, etc.
Voltando à página principal da marina, comecei a passear pelos links, 
mas percebi que eu já não era a mesma. Depois de engolir sopa de 
letrinhas, dígitos em inglês, tratamentos de saúde e textos 
embaralhados, acabei como aquele Crioulo Doido do samba do Stanislaw 
Ponte Preta. Ao me deparar mais uma vez com os links "Doe aqui" e "Doe agora", pirei total e comecei a falar sozinha:
Vocês escreveram errado, é "Dói aqui", "Dói agora"! E como dói... Dói a 
falta de conhecimento de vocês sobre pessoas com deficiência e 
acessibilidade. Mas isso é o que dói menos, porque ninguém consegue 
saber tudo sobre tudo. Muito mais do que isso, dói a falta de 
importância que vocês dão a nós, pessoas com deficiência, a ponto de não
 se importarem em arranjar uma assessoria de qualidade, nem para 
construir o programa, nem para fazer o site de campanha! E se na 
campanha é assim, imaginem o que será depois... 
Caríssimo Aécio, Prezada Marina, Ilustríssima Dilma, nós, pessoas com 
deficiência, somos cidadãos como quaisquer outros. Estudamos, 
trabalhamos, nos divertimos, formamos família; podemos votar e ser 
eleitos; pagamos nossas contas e nossos impostos; estamos sujeitos à lei
 e podemos ser presos e ter nosso nome no SPC. Somos pedintes, 
fracassados, deprimidos, humilhados; e somos também médicos, advogados, 
educadores, cientistas, psicólogos, empresários, jornalistas, bancários,
 balconistas, operários, lavradores, artistas... Nossos braços, às vezes
 frágeis, não nos impedem de ajudar a sustentar este país; nossas 
pernas, às vezes atrofiadas, não nos impedem de trilhar os caminhos que 
conduzem o Brasil para uma realidade mais digna e justa; nossos olhos, 
que às vezes não enxergam, nem por isso  nos impedem de ter visão de 
futuro; nossos intelectos, às vezes limitados, não nos impedem de 
perceber a humilhação e o preconceito; nossos ouvidos, que às vezes não 
escutam, não nos impedem de ouvir o clamor dos milhões de pessoas com 
deficiência, tratadas como cidadãos de segunda ou terceira classe.
 Agora me digam, por favor, o que sugerem que eu faça no dia 5?
Com preocupação e esperança, 
Lêda Lucia Spelta

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