Estudante com deficiência visual supera dificuldades, conclui o curso de Física na UFLA e é aprovado para o Mestrado
 
             Ana Eliza Alvim             
24 de fevereiro de 2014, 4:15 pm , 3.871 visualizações
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Entre
 os muitos formandos que se preparam para sair da Universidade Federal 
de Lavras (UFLA) e ingressarem no mercado de trabalho – com o período 
letivo que chega ao fim neste mês – está Felipe Fortes Brás. Com uma 
deficiência visual que apenas lhe permite enxergar vultos durante o dia,
 originada de uma doença chamada retinose pigmentar, ele é protagonista 
de uma história de superação: concluiu o curso de Licenciatura em 
Física, uma área complexa, em que a visão parece imprescindível à 
compreensão dos fenômenos; e prepara-se para iniciar o Mestrado, depois 
de ter sido aprovado em primeiro lugar no processo seletivo do Programa 
de Pós-Graduação em Física para a turma de 2014.
De acordo com o censo demográfico feito pelo Instituto Brasileiro de 
Geografia e Estatística (IBGE) em 2010, mais de 45 milhões de pessoas no
 país informaram ter algum tipo de deficiência. Dessas, quase 6 milhões 
têm a visão totalmente comprometida ou possuem grande dificuldade de 
enxergar. Pela representatividade do número na população brasileira, 
temas como a acessibilidade e a inclusão tornam-se preocupação 
obrigatória também das universidades. Na UFLA, a missão de coordenar a 
evolução nesses temas é do Núcleo de Acessibilidade, criado em 2012.
A trajetória de Felipe Brás
O estudante conta que começou a apresentar a deficiência por volta 
dos 15 anos. Aos 20 anos, com boa parte da visão já comprometida, saiu 
de Santo André (SP), sozinho, para fazer o curso superior na UFLA. 
Depois de 4 anos e meio frequentando a Universidade, ele admite que foi 
uma maratona. “Todo início de semestre era difícil: apresentar-me aos 
professores, explicar a deficiência, dizer que eu precisava de alguns 
recursos, etc.”, relata Brás. “Depois dessa fase, as coisas melhoravam 
um pouco, para recomeçar no semestre seguinte”.
O curso de Física, com suas equações e leis, ainda assusta grande 
parte dos alunos. Não foi o caso de Brás. Ele confessa que a primeira 
disciplina em laboratório foi um momento marcante. “Pensei: o que eu 
estou fazendo aqui?” lembra Brás, explicando que a falta da visão 
parecia inviabilizar qualquer aprendizado naquele ambiente. Mas a então 
professora do Departamento de Ciências Exatas (DEX) Helena Libardi 
preparou uma metodologia que lhe garantiu a participação naquele 
primeiro laboratório. A partir de então,soube que era possível ir em 
frente. Explica em poucas palavras o motivo da escolha: “Eu sempre fui 
curioso e sempre gostei de Física, desde menino”.
Ao longo do curso, Brás encontrou outros professores que souberam 
lidar com a deficiência. “Nunca havia imaginado encontrar pela frente um
 aluno como o Felipe, mas hoje sou admirador da história desse menino”, 
diz o professor do DEX Gilberto Lage. Ele também ministrou aulas em 
laboratórios para Brás, e tomava o cuidado de repassar ao aluno, com 
antecedência, tudo o que seria tratado na sala. Tateando os 
instrumentos, Brás conseguia acompanhar os conteúdos. O professor mantém
 registro fotográfico da atuação do estudante, tamanho o envolvimento 
que desenvolveu com o assunto. “O meu recurso foi sempre o de tentar me 
colocar no lugar dele; pensar na forma como eu gostaria de receber as 
informações se estivesse em seu lugar”.
O também professor do DEX Antônio Marcelo Martins Maciel explica que 
já possuía experiência em lecionar para deficientes visuais; por isso, 
considerou tranquilo o contato com Brás. Ele ressalta que é importante o
 docente ter algumas noções, como o fato de os prazos terem efeito 
diferente para o deficiente visual. “Até pela questão do acesso às 
informações, eles precisam de mais tempo para preparar um trabalho, por 
exemplo”, explica.
Se o auxílio dos professores é importante, o papel dos amigos também 
parece ser fundamental. Brás conta que fez verdadeiros parceiros, que o 
acompanhavam e estudavam com ele. Chegaram a formar um grupo de estudos.
 “Meu software não lê os conteúdos; então, os amigos liam para mim”. 
Depois ele passou a ter um monitor selecionado pela Pró-Reitoria de 
Graduação (PRG), o que considera um ganho no quesito acessibilidade.
Apesar de vencidas as dificuldades, o formando enumera formas de as 
instituições se prepararem para receber alunos com deficiência visual. 
Ele diz que priorizaria o investimento na mobilidade, ressaltando que o 
estudante precisa chegar à sala de aula, mas os degraus e os obstáculos 
ainda dificultam muito. Também diz ser importante que os professores se 
mostrem sempre sensíveis às dificuldades e busquem formas de dar acesso 
aos conteúdos. Sugere, por exemplo, que se tenha um estúdio de gravação 
em que os conteúdos possam ser transformados em áudio e utilizados pelo 
aluno, quando precisar, diminuindo a dependência de alguém que só pode 
fazer a leitura em determinados momentos.
Esperando a chegada da família e dos amigos para comemorarem a 
formatura, Brás já faz planos de continuar a caminhada acadêmica e 
exercer futuramente a carreira de professor. A motivação do formando 
pode ser resumida com a frase que disse aos alunos curiosos do Ensino 
Médio quando fez estágio: “eu tinha vontade de estudar, algumas 
dificuldades (que eram superáveis) e o sonho de fazer Física – foi assim
 que consegui.” O estudante defendeu na sexta-feira (21/2) seu trabalho 
de conclusão de curso (“Deficiência visual e ensino superior: 
possibilidades e entraves”) e foi aprovado.
A atuação do Núcleo de Acessibilidade
Espaço de discussão e proposição de políticas institucionais que 
possam promover a acessibilidade e tornar o ambiente acadêmico acolhedor
 às pessoas com deficiência, o Núcleo tem também a proposta de ajudar na
 formação dos novos professores, atuando nos cursos de licenciatura e 
estimulando a preocupação com a inclusão. Os trabalhos são coordenados 
pela professora Helena Libardi. É composto de um Conselho com seis 
membros (quatro professores do DEX e dois do Departamento de Ciência da 
Computação). Recebe também o apoio de alunos dos cursos de Letras, 
Computação e Física.
A professora Helena diz que ainda há muito a ser feito. No momento, 
os membros estão elaborando o regimento interno e buscando conhecer e 
garantir os direitos dos alunos com deficiência. “Estamos crescendo 
muito em boa vontade, evoluindo na parte arquitetônica a cada semestre”,
 avalia.  Mas afirma também que “ainda restam barreiras atitudinais, as 
quais só serão removidas com palestras e momentos de sensibilização”. A 
expectativa, segundo ela, é também de criação de políticas inclusivas, 
que aumentem o número de portadores de deficiência estudando na UFLA, e 
com condições de acessibilidade.
Para os alunos que precisarem de apoio ou para qualquer membro da 
comunidade acadêmica que deseje fazer contato com o Núcleo, o endereço 
de e-mail é naufla@praec.ufla.br.
Outros estudantes trilham caminhos parecidos
Como Brás, outros alunos com deficiência estão na UFLA não só 
cuidando de seus estudos, mas ajudando servidores, professores e colegas
 de turma a formarem a cultura da inclusão. Como diz Nilmar Machado, 
estudante de Letras que também possui deficiência visual, às vezes as 
pessoas ainda se rendem ao pensamento equivocado de que devem tratar um 
cidadão com deficiência como um “igual”. “Na verdade, se temos a 
deficiência, temos também necessidades de metodologias diferentes, por 
exemplo”, explica. A convivência e a troca de experiências com esses 
estudantes podem preparar a comunidade acadêmica para a mudança de 
atitude.
Machado também já cursou Direito em uma instituição privada e especialização no Departamento de Educação (DED/UFLA).

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